Ficha técnica
Título – A vida inútil de José Homem
Autora – Marlene Ferraz
Editora – Gradiva
Páginas – 172
Opinião
Já comecei esta opinião várias vezes e dou comigo a apagar tudo o que vou escrevendo, porque nada do que escrevi até agora consegue refletir o quanto a obra de Marlene Ferraz ficou comigo.
Sabia, de um saber cá de dentro e que não se explica, que seria isso que iria acontecer mal retirasse a obra da estante e a deixasse fazer-me companhia. Sabia que, tal como aconteceu com a Márcia, que partilhou no seu Planeta o quanto se havia apaixonado pela história de José Homem, que o mesmo se passaria comigo. E não poderia estar mais certa. Demorei quatro dias a ler 172 páginas. Tantas horas para ler menos de 200 páginas, tantas horas para acercar-me de José Homem e saborear com um prazer indescritível a escrita da sua criadora. Tantas horas para perder-me numa narrativa curtinha, que me falou como se me conhecesse desde sempre e compreendesse, como muito poucas compreendem, aquilo que me desarma e me faz encontrar nos livros um lado doce e inesquecível de uma existência que tende a ser absorvida pelo corriqueiro, pelo banal e pelas obrigações. Tantas horas para confirmar o que já era certo ainda antes de retirar a obra da estante – que A vida inútil de José Homem ficaria comigo para sempre.
José Homem é um homem que prepara a sua morte, pois já não quer mais viver uma vida amputada de amor. Vai desfazendo-se dos bens materiais que ainda o poderiam ligar às memórias e recordações dessa existência amputada de amor até que conhece Antonino Salvador, criança que traz no corpo as lembranças de uma guerra que lhe levou uma perna e os familiares. Entre os dois nasce uma ligação que me comoveu até às lágrimas e me fez abrir o coração e amar um ancião que sempre procurou o amor, que poucas ou nenhumas vezes o encontrou e que foi, devagar, devagarinho, abrindo a porta de sua casa e da sua vida a um miúdo estrangeiro, também ele em busca de um lar, de um poiso.
É impossível não deixarmos que José Homem e Nino nos arrebatem. É igualmente impossível não sorrir perante a benévola teimosia do padre Delfim, a sua intrínseca bondade e os “pecados” que vai cometendo em prol de um bem maior. E é ainda impossível não nos deixarmos embalar pela suavidade e poesia que emanam da escrita e do estilo da autora. Tudo magistralmente interligado e que acaba por criar uma obra que nos toca no que nos é mais íntimo. A mim tocou. E suspeito que o fez e fará a todos que a leram e a possam vir a ler.
Não me apetece dizer muito mais. Talvez por questões meramente egoístas ou talvez porque José Homem, Nino e a sua criadora merecem que muitos mais leitores os queiram conhecer e perceber por si mesmos o quanto eles são especiais, únicos.
A mim resta-me dizer obrigada a ti, Márcia. Foste tu quem me impulsionou a querer conhecê-los. Agora que o fiz nunca mais os largarei.
NOTA – 10/10
Sinopse
As idas à grande cidade para se libertar da herança dum pai coronel verticalmente duro e duma mãe extravagante e desligada fazem com que José Homem se sinta no bom caminho para uma morte sem memórias nem saudade.
Descrente no governo de deus e, sim, das circunstâncias, é por mão do padre que se vê obrigado a relacionar-se com um dos rapazes estrangeiros recebidos no orfanato, Antonino, mutilado na guerra civil de Angola, o que vem despertar em si um sopro inesperado de amor e vontade.