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Compreender a emigração na escola

As migrações fazem parte estruturante da nossa identidade enquanto povo e enquanto nação. No entanto, paradoxalmente, esta realidade nunca foi devidamente integrada no nosso quotidiano institucional e pessoal, o que impede uma compreensão deste fenómeno estrutural e a devida reconciliação com gerações de portugueses que um dia tiveram de abandonar o país.

Só em 2016 houve, pela primeira vez, um gesto institucional de grande significado, quando o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa e o primeiro-ministro, António Costa, decidiram celebrar, em Paris, o Dia de Portugal, precisamente para homenagear as nossas comunidades, não apenas em França, mas em todo o mundo. Foi um momento muito emotivo, como se finalmente uma injustiça histórica começasse o seu processo de reparação.

Mas a verdade é que existe uma acentuada tendência para varrer para debaixo do tapete alguns dos momentos difíceis da nossa história, como acontece com a emigração. Com efeito, pôr em evidência a emigração, é revelar o fracasso do Estado em criar condições para os seus cidadãos, resultado de um disfuncionamento político, económico e social que, por isso mesmo, se pretende fazer esquecer, ou mesmo negar, seja de forma deliberada ou inconsciente.

Porém, é impossível esquecer ou negar aquilo que milhões de pessoas de várias gerações viveram e sofreram na pele, tanto na primeira metade do século de emigração transatlântica, como nos anos 60 e 70 para a Europa e, mais recentemente, nos anos de crise económica e financeira após 2008. Durante o século XX, por razões ideológicas, particularmente durante a ditadura de Salazar, a emigração foi usada como instrumento do regime e os emigrantes estigmatizados, o que contribuiu para gerar preconceitos que se foram cristalizando ao longo de décadas na sociedade portuguesa e que ainda persistem, como o demonstra o exemplo infeliz de uma candidata na Covilhã que nas últimas eleições autárquicas gozou com o sotaque de um seu adversário que recentemente tinha regressado da Venezuela. É preciso mudar as mentalidades através da pedagogia, isto é, por via do seu ensino nas escolas, designadamente ao nível do secundário, onde, por incrível que pareça, continuam a reproduzir-se os estereótipos herdados do salazarismo, em que a emigração é vista de uma forma muito redutora e que esconde a extraordinária dimensão humana que lhe está associada.

Há necessidade, portanto, de mudar este paradigma e encetar um processo de reconhecimento, valorização e dignificação da emigração portuguesa. Queiramos ou não, ela está sempre presente de forma profundamente emotiva na nossa história e no nosso imaginário coletivo. Os preconceitos continuam a existir e são um obstáculo a uma relação normal com o vasto universo de portugueses residentes no estrangeiro, mesmo a nível institucional, precisamente porque nunca foi feita a necessária pedagogia para compreender e respeitar a emigração na sua ação transformadora, tanto no país que deixaram como nos países de acolhimento, a nível económico, social, cultural e político.

Não deixa de ser estranho que o ensino da história da emigração nunca tenha sido equacionado institucionalmente, tanto mais que haverá poucos portugueses que não tenham pelo menos um familiar que viveu a experiência da emigração, que assim se cruza também, inevitavelmente, com a história daqueles que nunca saíram do país.

Infelizmente, nos currículos escolares, a abordagem da emigração portuguesa não vai além de umas breves referências superficiais e sem significado no ensino secundário nas disciplinas de Geografia ou História. A emigração não pode continuar a ser uma espécie de tabu, nem ser mantida à distância, até porque é reconhecida pela própria Constituição da República.

E abordar a história da emigração portuguesa de uma forma superficial apenas ajuda a perpetuar os preconceitos, criando barreiras injustas relativamente àqueles que um dia tiveram de emigrar sem nunca perderem o amor por Portugal. Assim, é preciso adotar uma nova abordagem que permita uma melhor compreensão e reconhecimento da importância da emigração, que é certamente um dos melhores antídotos para combater a xenofobia que, por tacanhez e falta de sensibilidade, muitas vezes até existe em portugueses residentes no país contra os seus compatriotas que vivem no estrangeiro. Criar reconhecimento, gerar respeito e eliminar preconceitos, é o que se pretende com a iniciativa legislativa de que sou o primeiro subscritor, que em breve será discutida na Assembleia da República.

É importante, por isso, ensinar de forma aprofundada a história da emigração a nível do ensino secundário, um trabalho que já devia estar feito há muito tempo, dando a conhecer como evoluiu em todas as suas facetas, da sua repercussão cultural ao seu valor económico, da sua dimensão humana à sua importância política e diplomática, sem esquecer, claro, os aspetos menos positivos e até dolorosos que ao longo da nossa história caracterizaram o fenómeno migratório português.

Tal como é importante fomentar os estudos destas temáticas ao nível do ensino superior, em universidades portuguesas e estrangeiras, particularmente nos países onde existem comunidades portuguesas. Não basta afirmarmos a grandeza de um povo que descobriu novos mundos e forjou a sua identidade no universalismo. É preciso também saber como lá chegámos e o que passámos e fizemos para lá chegar.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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