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Entrevista exclusiva à República Portuguesa

“Liberté, Egalité, Fraternité? Daaahhh!!! Numa República, por mais democrática que seja, haverá sempre aqueles cidadãos que são mais iguais do que os outros”

 Livro das Desigualdades

 

Nos últimos tempos muito tenho pensado sobre a melhor forma de assinalar os 107 anos da nossa República. Pensei que seria simpático oferecer-lhe uma operação plástica, para reconstruir as maminhas com silicone, pois a nossa República já tem o peito caído, tantos têm sido os republicanozinhos que nela têm mamado. Acto contínuo, desloquei-me com a República Portuguesa a uma clínica de cirurgia estética em Bruxelas e solicitei um orçamento para empinar as suas maminhas. Os cirurgiões plásticos examinaram, remexeram, escarafuncharam, apalparam e, no final, pediram-me uma quantia astronómica para a reconstrução do tecido mamário da República Portuguesa, alegando terem encontrado um buraco sem fundo nas mamas, o qual necessitava de ser tapado com recurso a poderosas injecções de euro-silicone. Enfim, uma completa desgraça. Não contive a minha fúria e soltei um grito de revolta: “Malditos republicanozinhos que dela abusaram!”

Tal como a Federação Portuguesa de Futebol há uns anos atrás, também eu tinha um plano B. No caso da FPF pode mesmo dizer-se que Madaíl tinha, literalmente, um plano B… de Bento, recordam-se? Diga-me estimado leitor republicano, monárquico ou anárquico: que melhor forma de assinalar o aniversário da República Portuguesa, do que dar-lhe a palavra? Pois bem, foi isso mesmo que eu fiz. Estava a nossa República a chorar compulsivamente por não ter conseguido reconstruir as suas maminhas, quando eu a convidei para uma entrevista, pedido este que foi imediatamente aceite, entre soluços de desesperada tristeza e nervosos risos de desesperançado futuro.

Era já meia-noite quando nos encontramos no restaurante “República da Cerveja”, no Parque das Nações, para realizar a prometida entrevista, entre umas canecas de cerveja e umas “francesinhas à república”. Tudo correu muito bem até ao momento em que a minha convidada, ávida por “Liberté, Egalité, Fraternité”, comeu sofregamente uma “francesinha à república”, o que lhe provocou uma enorme caganeira de ideais. Resultado: toda a noite a nossa República esteve a borrar-se na sanita do WC do restaurante, enquanto eu a entrevistava de pé em cima da sanita do lado. Foi aquilo a que, na gíria jornalística, chamamos “uma entrevista de merda”. Eis, pois, a entrevista que fiz à República Portuguesa:

Daniel Luís (DL): Muito boa noite Senhora Dona República Portuguesa. Em primeiro lugar quero agradecer a sua disponibilidade para me conceder esta entrevista, apesar de estar com uma real caganeira.

República Portuguesa (RP): Real caganeira? Olhe que se algum “bom primo” o ouve, transforma-o em carvão…

DL: Obrigado por me corrigir. Então, o que a senhora tem é uma republicana caganeira, certo?

RP: Isso mesmo! Quem me manda a mim, República Portuguesa, banquetear-me com a “Liberté, Egalité et Fraternité”, da minha prima francesa? O meu médico bem que me avisou para não fazer plágios de ideais. Em canções de amor ainda vá que não vá…

DL: Está-se a referir a Tony Carreira, certo?

RP: Nunca ouvi falar de tal pessoa. Credo! Por quem me toma?

DL: Claro que não, claro que não! Mas a senhora não partilha desses mesmos valores: “Liberté, Egalité et Fraternité”?

RP: Intimamente até partilho, mas fica aqui só para nós ‘off the record’, combinado? É que não quero apanhar com nenhum processo em cima por plágio.

DL: Fique sossegada Dona República. E oficialmente, qual é a sua posição?

RP: Oficialmente? Adoro a posição de quatro em que ele vem por trás e me mexe nas maminhas.

DL: Estava-me a referir aos ideias “Liberté, Egalité et Fraternité”…

RP: Ah isso… não partilho esses valores nem nenhuns outros valores porque, pura e simplesmente, estou falida e não tenho nada para partilhar!

DL: Anime-se! Afinal está a poucos dias de comemorar 107 anos. [esta entrevista foi realizada uma semana antes do seu aniversário]

RP: Esteja calado! Tenho medo de envelhecer e de ficar com Alzheimer. Não vê o que está a acontecer à minha prima, a República Francesa? Ela já nem se lembra dos seus ideais! Só pode ser Alzheimer.

DL: Porque diz isso?

RP: Como é possível que uma República fundada nos ideais de “Liberté, Egalité et Fraternité”, expulse pessoas em função da sua etnia? Veja o que fez Sarkozy com os ciganos da Roménia. Uma vergonha republicana!

DL: Isso que dizer que está zangada com Sarkozy?

RP: Claro que estou! Sarkozy devia era ter convencido a União Europeia a expulsar os ciganos que governam Portugal. Esses sim, é que deviam ser expulsos para a Roménia ou para o Uzbequistão! Não reparou como é que eles deixaram as minhas maminhas? Desgraçados!!!

DL: E o que pensa de Emmanuel Macron?

RP: Uiiii… sempre que olho para ele não consigo pensar: começo a sentir uns formigueiros numas certas partes do meu corpo… e só me imagino a idealizar e a fazer republicanozinhos com Macron o tempo todo…

DL: E porque não o faz?

RP: Era lá eu capaz de trair uma amiga que andou comigo na escola?

DL: Fala a sério? Foi colega de Brigitte Macron?

RP: Fomos grandes colegas! Unha com carne. A bem dizer, a partir de um dado momento, foi mais unha com silicone…

DL: Retornando ao nosso país, qual pensa ter sido o seu maior legado a Portugal?

RP: O meu maior legado? Sem dúvida que foram as rotundas!

DL: As rotundas?!?!?

RP: Sim, as rotundas. Não se esqueça que eu nasci no meio de uma rotunda (hoje conhecida pela Rotunda do Marquês), e é por isso que Portugal está povoado de rotundas e mais rotundas. É que muitos políticos acreditam que quanto mais rotundas tem um país, maior é o seu fervor republicano.

DL: Se fosse hoje, aposto que teria nascido numa ambulância, ehehehe…

RP: Preferia mil vezes ter nascido numa ambulância, porque era sinal de movimento, de progresso, de evolução, de resolução dos problemas. Ao passo que uma rotunda é sinal de estagnação porque se anda ali à roda, à roda e não se vai a lado nenhum! Acho que foi esse o meu mal (e ainda é). E isso dá-me umas tonturas que nem imagina. Parece que desfaleço…

DL: Bem… já que falamos em “ambulância”, pode-me mostrar as cicatrizes dos golpes que levou, aquando da sua infância, período esse que ficou conhecido como “Primeira República”?

(RP): [despindo-se] Olhe, são tantas as cicatrizes que nem as consigo contar. Tal como aconteceu com Santana Lopes no seu XVI Governo Constitucional, também eu fui vítima de maus tratos no berço, sofrendo sucessivos abanões e sendo muito violentada pelos meus pais, avós, tios e primos. Foi um horror!

DL: Quer partilhar connosco algum episódio que a tenha marcado mais?

RP: Infelizmente (ou felizmente) as minhas recordações infantis são muito ténues, mas lembro-me que, mal nasci, comecei logo a ser usada e abusada por um velho barbudo.

DL: Era pedófilo?

RP: Não! Era Teófilo.

DL: E foi abusada em Elvas?

RP: Desculpe-me, mas tem que falar mais alto, pois já me custa a ouvir.

DL: Foi abusada em Elvas?

RP: Sim, também fui abusada pelo Relvas.

DL: E ameaçavam-na com alguma arma, enquanto abusavam de si?

RP: Ameaçava-me quase sempre com um Machado. Esse Machado era terrível! Era a arma mais utilizada nas conspirações e golpes de Estado. Só em 1921 se enterrou o Machado de guerra.

DL: Durante a sua infância, ia à missa?

RP: Mas o senhor está doido ou quê?

DL: Mas porquê essa aversão à igreja?

RP: Simples: abuso por abuso, preferia ser abusada pelos republicanos do que pelos padres.

DL: E qual a sua opinião sobre as aparições de Fátima (1917), neste contexto de guerra entre Estado e Igreja?

RP: Para mim, isso não passou de uma brincadeira de toda uma geração de humoristas/caricaturistas, que se fartavam de gozar comigo nos jornais de sátira, tais como Stuart Carvalhaes (“O Zé” e “O Pardal”), Francisco Valença (“O Moscardo”), Almada Negreiros (“Papagaio Real”), Jorge Barradas (“O Riso da Vitória”), entre outros engraçadinhos. Aposto até que foi o Almada que subiu para cima da azinheira, vestido com uma bata de barbeiro branca! Sacana!

DL: Qual era a sua relação com o humor e a sátira?

RP: Era uma relação de liberdade. Não me metia com as artes.

DL: Ai sim? Então como explica a censura por parte das autoridades policiais, por exemplo, sobre o teatro de revista?

RP: Não sei do que está a falar… Ai que me está a dar a volta à barriga outra vez. Aperte o nariz, que lá vem caganeira!

DL: Vamos lá, não desconverse. Porque é que a liberdade de expressão, tão cantarolada por si, afinal tinha os seus limites? Porque é que interditou uma revista que fazia um retrato satírico do Exército Português, quando se falava na sua possível intervenção na Grande Guerra?

RP: Nessa altura, ainda estava pouco amadurecida… ainda era uma criança… compreende, não compreende?

DL: Enfim… avancemos. Sente-se envergonhada pela morte de milhares de soldados portugueses na Batalha de La Lys?

RP: Não me sinto mais envergonhada do que Dom Sebastião, quando sofreu igualmente uma pesada derrota em Alcácer-Quibir. No fundo, resume-se tudo a uma data de camelos. Garotices…

DL: Então enveredemos por assuntos de gente adulta. Concordava com o antigo Presidente da República, Cavaco Silva, quando ele dizia que é o mar que iria salvar Portugal?

RP: Não poderia estar mais de acordo!

DL: Então porquê?

RP: Porque Portugal só terá futuro se a actual classe política se afogar toda no mar…

DL: E qual é sua opinião sobre o actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa?

RP: Morro de ciúmes dele!

DL: Quer-me dizer o porquê?

RP: Porque já beijou todas as portuguesas aqui e além-mar e só a mim é que ainda não me beijou. E ando aqui eu, de maminhas ao léu, toda a arder e a fantasiar pelos beijos de Marcelo e ele a condenar-me a pão e água…

DL: E o que pensa da “geringonça”? Já deu uma voltinha nesse veículo que está muito na moda?

RP: Nem me fale nisso! A Catarina Martins e as manas Mortágua convidaram-me para uma voltinha e a meio do passeio começaram dizer que eu era muito bonita e tal, que o ideal era a circulação automóvel ser realizada pela esquerda em nome da igualdade de género uma vez que é essa a faixa usada por grande parte das mulheres que conduzem…

DL: Estou a ver… Falemos agora de liberdades: Em 1907, um doutoramento é chumbado em Coimbra por questões políticas, decisão esta que desencadeia uma enorme onda de contestação e greves académicas contra o sistema de ensino e o governo. Denuncia-se o poder ilimitado dos lentes da cidade, a subserviência instalada e a necessidade de padrinhos para se ser aprovado. Passados mais de 100 anos, um assistente é perseguido, censurado e despedido de uma universidade pública por escrever textos satíricos que, supostamente, ofendiam o poder político instituído e a igreja. Afinal, hoje vivemos numa República menos livre?

RP: Bem… isso que acabou de dizer dá-me cá uma caganeira que nem imagina mais a mais porque bem vi que toda a gente fechou os olhos a esse auto de fé da santa inquisição que condenou um docente injustamente. Vivemos numa sociedade de lambe-cus onde cada um apenas olha para o seu umbigo. E na academia todo o pensamento crítico é abafado porque coloca em causa o poder dos lentes mais velhos que se acham os donos do saber e da moral! Infames!

DL (com uma lágrima no olho): Ok… mudemos de tema, porque tenho um (des)emprego a defender. A sua relação com a Igreja modifica-se aquando da sua adolescência, certo?

(RP): Igreja? Que horror! Prefiro ficar onde estou agora, sentadinha numa sanita…

DL: Bem… já que está sentada num local apropriado deixe-me insistir… a sua relação com a igreja modifica-se aquando da sua adolescência. O que tem a comentar?

RP: Sim, é verdade… Quando me começa a aparecer o período, a nascer borbulhas na cara e se começa a acentuar a minha rebeldia, própria da adolescência… eis que surge o homem que me há-de pôr na ordem: Salazar!

DL: E com o qual casou, certo?

RP: Sim, mas apenas casei com Salazar porque acreditei nas falinhas mansas dele e nas suas promessas megalómanas de construir um império disperso pelo mundo fora, do Minho a Timor. E eu sempre quis conhecer o Minho…

DL: A propósito de Minho… estamos a fugir à questão da igreja…

RP: O meu casamento com Salazar foi abençoado pela igreja católica. Nunca mais me hei-de esquecer dos sermões do cardeal Cerejeira. Esse rapaz estava sempre a dar-me úteis conselhos que, na altura, me pareciam inúteis, mas que agora me parecem oportunos: “minha filha, amocha ao Salazar, porque é a ele que deveis respeito e obediência como boa esposa que sois; caso contrário, ides ser castigada na vossa velhice, por um indivíduo que vos vai hipotecar todinha à banca estrangeira, por causa de um comboio cheio de modernices”.

DL: Mas considerou-se uma república violentada durante os anos da ditadura de Salazar?

RP: [corando] Uiiiii… Isso queria eu que Salazar me tivesse violentado mais vezes com a sua “dita” dura… Pobre de mim que tive que lhe pôr os palitos várias vezes para satisfazer as minhas carências, compreende?

DL: Pode adiantar nomes?

RP: Foram vários: desde Álvaro Cunhal, que me consolava com o seu enorme martelo, até Humberto Delgado, que de “delgado” só tinha o nome [suspiro]… bons velhos tempos…

DL: Mas não me diga que não gozou o 25 de Abril…

RP: Claro que gozei, apesar de estar já na menopausa e a entrar na terceira idade! Aquilo, no pós-25 de Abril, foi sempre a aviar revolucionários barbudos e malcheirosos. Tanto iam comigo para a cama, como logo a seguir me davam um chuto no rabo. Nunca fui tão usada e abusada em toda a minha vida. Foram uns brutos!!!

DL: O que representam para si, os 107 anos da república?

RP: Um século e picos!

DL: Ok, a tentar ser engraçadinha… Vou reformular a questão: Comemora hoje 107 anos, Senhora Dona República Portuguesa… o tempo passa rápido. Que balanço faz?

RP: É verdade… o tempo passa depressa. Um dia estamos a viver numa monarquia de patetas e imbecis, com as contas públicas descontroladas e com um sistema político rotativo em torno do mesmo eixo formado por dois partidos que controlam o “sistema”. No outro dia acordamos já ao som dos festejos do centenário de uma república de patetas e imbecis, com as contas públicas descontroladas e com um sistema político rotativo em torno do mesmo eixo formado por dois partidos que controlam o “sistema”. À guisa de conclusão, acho que pouco ou nada mudou: continuamos a ser governados por uma cambada de gatunos e oportunistas, tal como há 107 anos atrás. Aliás, por vezes sinto-me mesmo uma grande prostituta.

DL: Ora essa! Porquê?

RP: Basta olhar para a forma como os meus filhos governam este país!

DL: Para terminar esta longa entrevista, dê-me assim um título que sirva para definir a terceira república.

RP: “A República das Marias”. Já reparou? As minhas comadres são todas Marias: Maria Manuela Eanes, Maria Barroso, Maria José Rita e Maria Cavaco Silva. Até a namorada de Marcelo se chama Maria Cabral. Aiiii, filho, ajuda-me a encontrar a minha algália, que caiu ao chão…

 

Daniel Luís

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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