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Nascida do Ferro

Quando alguém nos pergunta se conhecemos um determinado país, todos nós caímos no erro de dizer que sim simplesmente porque passamos alguns dias, ou até semanas, na sua Capital. Algo que não poderia estar mais errado. Na realidade, regra geral, a Capital de um país não é, nem de perto, uma representação fiável daquilo que caracteriza o país, de como as pessoas vivem, dos custos de vida ou até da sua geografia.

Por norma, a principal cidade de um país terá sempre tudo em número exagerado em relação ao restante território. Desde logo, será, em princípio, na Capital que se localizam os principais monumentos turísticos e zonas históricas o que, naturalmente, irá atrair a grande maioria dos turistas. Noutro âmbito, também será aqui que irão ter sede as principais instituições e as grandes empresas deslocando consigo elevados níveis de poder de compra e a grande parte dos serviços. Pela negativa, deverá ser também na Capital que nos iremos deparar mais frequentemente com a pobreza, com a poluição ou com a criminalidade.

Talvez por ter nascido e vivido toda a minha vida no Porto, sempre tive um especial apreço por cidades ou regiões que não a Capital de um país. Gostaria de deixar bem claro, no entanto, que nada tenho contra Capitais, trata-se apenas de uma mera questão de identificação pessoal e de interpretação de diferenças que em nada irão definir se um tipo de cidade é melhor que outro ou dar azo a rivalidades sem grande sentido. Na realidade, constato apenas o óbvio e por demais evidente, em nada se compara viver em Lisboa ou viver em Trás-Os-Montes.

Feitas as declarações de princípios, quis o destino que viesse viver para Esch-sur-Alzette. Ironicamente, a segunda maior cidade do Luxemburgo. Mesmo tendo em conta a pequena dimensão e a proximidade entre as cidades, também aqui confirmei a minha ideia em relação à existência de discrepâncias entre a Capital e o resto do país.

Apesar da proximidade geográfica, Esch está longe da classe e do charme da Cidade do Luxemburgo. Por cá, não se veem turistas de câmara fotográfica em riste seguindo, qual rebanho, o seu guia de forma ordeira e obediente. Bem como também não é comum cruzarmo-nos com empresários de fato e gravata sempre apressados entre reuniões de negócios e negócios para reunir. Em Esch, os primeiros são substituídos por grupos de pessoas com pressa para apanhar os seus autocarros para o trabalho e, os segundos, por homens cansados, a comer a sua marmita antes de voltarem a pegar no balde de cimento.

Em Esch-sur-Alzette, também não proliferam os restaurantes sofisticados, ou os bares da moda. Esses, dão lugar aos cafés utilitários, simples e, como não poderia deixar de ser, com nomes bastante portugueses. Por seu turno, aqui, os edifícios históricos e as lojas de marcas inalcançáveis para o comum dos mortais, vestem-se de ferro, chaminés e fumo. Para finalizar, até o tempo desde que cá cheguei, tem estado cinzento, escuro e frio.

Se a descrição da cidade ficasse por aqui, apesar de correta e de ser este o impacto inicial, estaria profundamente incompleta. Efetivamente, Esch-sur-Alzette foi e ainda é uma cidade industrial rodeada por fábricas, principalmente de siderurgia. Como tal, como qualquer cidade com grande incidência do setor secundário, tornou-se igualmente uma cidade residencial. Isso nota-se e, como já descrevi, está ainda bem patente. No entanto, após alguns dias, percebe-se que Esch-sur-Alzette é mais do que apenas isso. No fundo, trata-se de uma cidade que soube crescer e ultrapassar a decadência em que o seu principal setor caiu sem, porém, se esquecer das suas raízes.

Ao contrário do que estou habituado, aqui, as zonas residenciais não correspondem necessariamente a prédios amontoados onde as pessoas, mais do que pessoas, são números. Em Esch, as zonas residenciais são, na sua maioria, casas bastante pitorescas e que contrastam com o cinzentismo fabril. Coloridas, personalizadas e sempre com um pequeno, por vezes muito pequeno, jardim. A cidade soube desenvolver-se conciliando o passado com o presente e, ainda mais importante, com o futuro. Estradas bem conservadas, praças modernas, bem como uma excelente rede de transportes públicos.

Por último, e porque gosto de deixar o mais importante para o fim, as pessoas. Até ao dia de hoje, toda a gente me pareceu extremamente afável e pronta a ajudar, com prazer e disponibilidade. Sinto que fui bem-recebido. Em Esch, tal como na minha cidade, diz-se bom dia quando se entra num autocarro ou num café e são essas simples palavras que fazem alguém sentir-se mais perto de casa. Aqui, o frio combate-se com o calor humano de quem sabe o que é sair da sua zona de conforto em busca da incerteza. Em Esch, as pessoas dão-nos um sorriso e não têm problemas em perder uns segundos para serem simplesmente simpáticas.

Mais do que considerações financeiras ou demográficas, é de louvar essa amabilidade que não se compra. Principalmente, quando falamos de pessoas com rotinas duras que, provavelmente, não vão muito para além do trabalho e de casa. Pessoas cujos dias são mais longos do que o normal. Demasiado longos para uma vida tão curta.

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