De que está à procura ?

Europa

Nice: de “arde no inferno” a “je suis le monde”

“Arde no inferno” é a frase inscrita, entre outros duros insultos, em xistos cinzentos colocados sobre uma mancha de alcatrão na avenida marginal de Nice, França, como recado ao homem que na quinta-feira à noite atirou um camião sobre a multidão.

O assassino de, pelo menos, 84 pessoas foi abatido pela polícia e esta manhã era alvo de desprezo. As pedras iguais às que enchem as praias vizinhas foram colocadas lado a lado e transmitem injúrias, como aquelas em que o homem que lança um caule com espinhos no local deve estar a pensar.

Naquela mancha isolada no chão não há velas, nem flores, nem peluches, nem bandeiras, nem ajuntamento de pessoas. Há quem passe, leia e siga o seu caminho para então se demorar, um pouco mais à frente, nos memoriais improvisados sobre o alcatrão.

Onde repousaram cadáveres na noite do feriado nacional francês agora há muitos ramos de flores, bandeiras, pequenos brinquedos e palavras, muitas, de lamento e solidariedade, incluindo a frase no dialeto local, a língua niçarda: “Nissa la Bella” (Nice, a Bela), e além de “Je suis Nice” (Eu sou Nice), vários “Je suis le monde” (Eu sou o mundo).

Com a circulação de trânsito ainda muito condicionada na zona, o quadro eletrónico utilizado habitualmente para informações de trânsito desta vez apresenta as três palavras que servem de lema à república francesa: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.

Param por ali turistas de toalha de praia na mão, ciclistas que desmontam das bicicletas, corredores que suspendem o treino, famílias com crianças, quase todos em silêncio ou, em murmúrio, deixam a questão “como é possível” e o comentário “é demasiado triste”.

Nas inúmeras mensagens em papel ou em tecidos brancos nos vários memoriais lê-se a interrogação “porquê as crianças?”, enquanto se notam cada vez mais os peluches e brinquedos deixados em memória dos 10 menores que se contabilizam entre os 84 mortos, número que ainda pode aumentar.

Uma bonequinha tricotada, com asas, foi pendurada numa árvore, com a sua autora, uma britânica, a deixar um recado para a utilidade desta “Tulip” de lã: “dar conforto aos lindos pequenos anjos que não tinham asas na Terra”.

Mesmo ao lado de um peluche do urso Pooh há um grande ramo de flores que se destaca com uma faixa a anunciar que aquela é a homenagem de uma federação local de mesquitas islamitas.

Mas há conversas de tom mais político, duas moradoras de Nice notam à Lusa como a popularidade do presidente François Hollande se vai ressentir ainda mais e os grupos nacionalistas vão capitalizar popularidade. “Isto é bom é para fazer política”, diz uma das moradoras, referindo-se à origem tunisina do assassino e à reivindicação do ataque pelos extremistas do Estado Islâmico.

E tudo em aproximadamente 300 metros.

As dezenas de veículos de diretos de canais de televisão foram retirados dali e durante esta manhã já eram poucos os jornalistas a procurar mais testemunhos de mais uma tragédia reivindicada por terroristas.

Ficará a memória, os olhares e gestos entre as pessoas, como as de duas mulheres vestindo fardas da Proteção Civil que transportam garrafas de água e copos de plástico para oferecer a quem se detém nas homenagens, sob um sol de 24 graus e com uma humidade de 65%.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA