De que está à procura ?

Colunistas

“O pianista de hotel” de Rodrigo Guedes de Carvalho

Ficha técnica

Título – O pianista de hotel

Autor – Rodrigo Guedes de Carvalho

Editora – Dom Quixote

Páginas – 486

Opinião

Moram cá em casa todos os romances que Rodrigo Guedes de Carvalho publicou e foi com enorme alegria que o ano passado eu e o maridinho recebemos a notícia de que o autor tinha posto fim a um interregno demasiado extenso (de mais de dez anos!) publicando O pianista de hotel. Não sabemos o que esteve por detrás desse interregno, mas já lho perdoamos – e sem qualquer espécie de rancor – pois a espera valeu bem a pena.

Não me sinto especialmente à vontade para estabelecer paralelismos entre O pianista de hotel e as suas “irmãs mais velhas”, porque já as li há muitos anos (existe vontade de relê-las, é verdade, mas são sempre suplantadas pelas leituras mais “frescas” na estante) e aquilo que ainda retenho são as influências antunianas em Daqui a nada, por exemplo, a presença marcante de conflitos emocionais e geracionais entre personagens que arrebatam o protagonismo na trama e um estilo que tem o descaramento de nos sugar a atenção e deixar-nos um nadinha furibundos com desfechos pouco conclusivos. Muitas destas características estão presentes em O pianista de hotel, porém aquilo que se destaca e talvez reflita um refinamento e amadurecimento na escrita do RGC seja o papel do narrador e a consequente importância que aquele lhe confere na estrutura e desenrolar da narrativa.

Não é necessário avançar muito na leitura para compreender e sentir que, apesar de estarmos com um livro nas mãos, a escrita parece dar lugar à oralidade e que facilmente nos imaginamos sentados ao lado de alguém que nos conta uma história e que, como sempre ou quase acontece, se dispersa, divaga e vai entrelaçando e intrometendo detalhes, factos, sentimentos e outros aspetos de outras personagens, lugares e tempos. É, assim, envolvidos nesse estilo oralizante e muitíssimo bem trabalhado, que vamos penetrando nas vidas de diversas personagens e criando laços imediatos com todas elas, ou melhor, com quase todas, pois creio que uma ou outra (Ana Paula, por exemplo) são desnecessárias e nada acrescentam à narrativa.

Luís Gustavo, Maria Luísa e Pedro Gouveia foram, sem dúvida, as minhas personagens preferidas. As três são “órfãs” e sentem-se incompletas. Tentam remediar essas lacunas que a vida não lhes quis preencher ou que lhes deixou em determinado momento evitando o mundo à luz do dia, singrando com muito êxito na profissão escolhida ou acobardando-se nos momentos decisivos. Foi-me impossível não me condoer das suas situações, da falta física, emocional e prática que sentem de alguém que partiu das suas vidas, foi-me impossível não acarinhá-los em variadíssimos momentos e foi-me impossível não gostar deles. Amei a relação que Luís Gustavo tem com o seu avô Sérgio (outra personagem deliciosa), a amizade genuína que liga Maria Luísa a Saúl Samuel (mais uma personagem bem construída) e a ligação profissional e paternal que une Luís Gustavo e Pedro Gouveia. São inquestionavelmente – personagens e laços que as juntam – pontos fortes desta obra e que me fizeram devorar quase quinhentas páginas em pouco tempo.

Aliada a estas personagens, aos seus laços, a um narrador com um toque preponderante de contador de histórias e a temas como a homossexualidade, a violência doméstica, a solidão, o divórcio ou o alcoolismo, está a música, que remete para o título da obra e para muito mais. A música preenche os espaços, a música acalma, aconchega, alimenta e aquece a alma e mexe com os cantinhos mais recônditos e escondidinhos que todos nós possuímos. Um piano, uma guitarra, um violoncelo e uma harmónica bastam para que esta obra, já tão rica por tudo aquilo atrás mencionado, atinja outros níveis e me tenha feito chorar sobretudo com Luís Gustavo que vê a sua vida clarear e brilhar por causa de uma harmónica de brincar e com Pedro Gouveia que desata os nós que lhe prendem o coração ao ouvir um pianista tocar num bar de um hotel.

Muito mais poderia dizer desta leitura que se assemelhou a um regresso a casa – a uma casa de que já sentia saudades. Mas pretendo apenas dizer mais duas coisas – a primeira (e que me impede de lhe dar pontuação máxima) tem a ver com o facto de ter achado que o autor mastigou algumas partes e ter, como referi antes, posto na ação algumas personagens que não eram necessárias; a segunda (e que me faz perdoar-te, Rodrigo Guedes de Carvalho, me teres presenteado, de novo, com o final aberto e que me deixou abananada! “Porra, e agora? Por que é que ele não a chamou???) é sobre a parte que o autor intitulou “Depois do fim” e que me deixou ainda mais “apaixonada” por este jornalista que sempre considerei íntegro e um bom homem. É com lágrimas nos olhos e um nó do tamanho do mundo na garganta que te digo que os meus também estão sempre aqui comigo. Sim, eu, mulher sem nenhuma outra fé, também acredito.

Esta leitura foi a quarta que fiz para a maratona literária – Bookbingo – Leituras ao sol 2 – e foi para a categoria – Livro escrito por uma celebridade.

NOTA – 09/10

Sinopse

O Pianista de Hotel transporta-nos numa melodia. 

É uma entrada para um mundo regido pela linguagem da música, pela sua força e beleza, presentes no ritmo de cada frase, de cada parágrafo rigorosamente medido.

Livro em camadas, nele se cruzam diversos planos, diversas histórias perpassadas pelo poder redentor da música que entra e rasga, a solidão, a dor e o vazio das pessoas que habitam nestas páginas. Com um vasto subtexto, a densidade das personagens está carregada de mistérios que nos prendem a sucessivas interrogações.

Há um pouco de nós em todas elas.

Há muito de nós neste mergulho ao mais fundo da alma humana. 

É um romance que se lê e ouve, que mantém todos os sentidos alerta. Uma pauta musical, com andamentos diversos, que acabam por se cruzar numa vertigem imprevisível de autêntico thriller psicológico.

E, depois, há o pianista…

in O sabor dos meus livros

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA