No final dos anos 1990, reaparecia nas livrarias Ronda de Fogo, coletânea de contos de Cacy Cordovil, que mais de meio século antes tivera grande consagração de público e crítica.
Cacy Cordovil foi desses talentos prematuros que vez ou outra aparecem em nossas letras. Começou a escrever aos 14 anos para o Suplemento Literário do Correio da Manhã do Rio de Janeiro. Em seguida, tornou-se também colaboradora da cadeia de jornais dos Diários Associados e do Correio do Povo, em Porto Alegre, onde publicou seu primeiro livro, A Raça, pela editora Globo, em 1931.
A primeira edição de Ronda de Fogo foi lançada em 1941, pela editora José Olympio, recebendo consagração unânime de grandes críticos da época. Álvaro Lins observou: “Cacy Cordovil parece conhecer de muito perto os costumes do interior e as paixões que movimentam os seus homens…retoma, por isso, a tradição regionalista que parecia se haver interrompido em Afonso Arinos…suas páginas constituem uma representação intensa e admirável de certos aspectos da vida do interior.” Sérgio Milliet concluiu: “pela variedade dos assuntos tratados nesse pequeno livro, pela firmeza da construção de seus contos, pela sua astúcia psicológica, pela desenvoltura com que ventila e coloca qualquer situação dramática e a resolve satisfatoriamente, tenho a impressão de que Cacy Cordovil ainda virá a ser um dos nossos grandes romancistas”.Guilhermino César salientou que “no seu silêncio de solitária Cacy Cordovil se aplicou a polir sua arte, a observar e sofrer…e seu nome ficará como uma afirmação de indiscutível talento literário.”
Outro fato relevante na carreira de Cacy Cordovil foi a inclusão de trabalhos seus em importantes antologias. Graciliano Ramos a fez figurar em Contos e Novelas, publicada pela Casa do Estudante do Brasil. Raimundo Magalhães Jr. incluiu-a em O Conto Feminino, da editora Civilização Brasileira e Magaly Gonçalves, Zélia de Aquino e Zina Bellodi trouxeram-na para a Antologia Escolar da Literatura Brasileira, da editora Musa.
Ao surgir, em 1998, a reedição de Ronda de Fogo, manifestações de peso vieram de todos os lados do país. Wilson Martins escreveu: “quero felicitá-la pela nova edição do Ronda de Fogo que nos restituiu um livro consagrado pelos melhores críticos.” Nelly Novaes Coelho anotou que Cacy “registra o regional, o tosco, o rudimentar, através de um olhar que foi muito além das aparências.” Deonísio da Silva declarou ser Ronda de Fogo “simples e fabuloso”. E para Bernardo Ajzenberg “o relançamento de Ronda de Fogo ..é mais que um resgate histórico oportuno e merecido, é também um evento que ilustra com nitidez a idéia de que a literatura não evolui em linha, mas em círculos.”
Por tudo isso, não foi sem razão que Monteiro Lobato, logo após ler Ronda de Fogo, ainda em 1941, assim se manifestou: “…encontrei…as qualidades de varonilidade, segurança, directness e enfibratura dos que são escritores natos e souberam educar no apuro da língua o dom que a natureza lhes deu.”
Fato curioso envolve a infância de Cacy. Em 1922 ela estudava na mesma sala de um garoto que mais tarde viria a se tornar um dos maiores nomes da literatura e da música brasileiras, Vinicius de Moraes. E foi para a colega de turma que ele escreveu, aos oito anos, seu primeiro poema de amor:
Quantas saudades eu tenho
de ti oh flor primorosa
Que em tudo és gentil e meiga
Que em tudo és graciosa.
Oh quantas saudades quantas
De ti meu bem lá se vão
Como uma garça voando
Cerrando o meu coração
Se eu pudesse descrevê-las
Oh quantas, quantas não são!
Mas só de ti, são só tuas
Cacizinha do coração
Cacy Cordovil faleceu em São Paulo, a 6 de julho de 2000, aos 88 anos.
Sobre os autores do artigo: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista.