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A liberdade de Abril

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Abril é o mês em que a liberdade nos surge de forma mais vincada. Abril traz-nos sempre uma esperança renovada. Nem os anos da crise foram excepção, subjugados que estivemos por políticas que nos atiraram para o desânimo. Tal é a força de Abril e da sua promessa de liberdade! Essa liberdade de valor inestimável que já estava na ideia de república de Cícero e cujo ponto nevrálgico é aquele em que esta se reencontra com o soberano poder do povo. Faltando-lhe este pilar, é todo o edifício que desmorona.

Durante muito tempo acreditei que nenhum governante deseja o mal para o seu país. Hoje, pela experiência da vida e do mundo que fui ganhando, não ouso ir tão longe e deixei que a dúvida se instalasse em mim. Mesmo face a muitos líderes europeus, essa é uma certeza que já não tenho.

A República é uma forma de governo que, tal como lhe advém da sua etimologia, se assume como coisa pública na figura do Estado. Por seu lado, a democracia, no Estado de Direito, é o exercício livre e crítico pela representação. Ou seja, os governantes são eleitos pelos seus cidadãos para o exercício de um poder limitado temporalmente. Se o fim do mandato de um governo corresponde ao termo de um projecto que se quer para a sociedade, a política (a verdadeira, quero eu dizer) não pode cingir-se ao curto prazo e aos sabores das campanhas eleitorais. Não se pode fazer da política um jogo que acaba antes de ter tido tempo para começar. Para que um projecto político triunfe não basta uma visão, significa também ter o engenho para lhe traçar os contornos e fazê-lo progredir, passo a passo, lançando as raízes que permitirão que o desenvolvimento da sociedade ocorra independentemente da espuma dos dias e das vontades partidárias deste ou daquele. A democracia não se compadece com a falta de tempo. A liberdade também não.

O político deveria ser aquele a quem caberia o escopo de implantar a democracia e a liberdade no tempo. Aquele que estaria encarregue de fazer com que a sociedade avançasse, mesmo que nem todos os seus cidadãos estivessem ainda devidamente politizados. Contudo, nem todos os representantes políticos possuem esta capacidade. Quando o discurso político não corresponde à acção, é sempre um passo atrás nas aspirações de Abril, no nosso e no de cada povo, mesmo que o dia e o mês sejam outros. Daí que volte a Cícero e ao poder soberano do povo na escolha dos seus representantes, não podendo contentar-se o primeiro com a promessa ou o sorriso de circunstância dos segundos, mas exigindo que actuem em conformidade com o que dizem e com os princípios que afirmam defender. Falar é fácil, o fazer é que é difícil, costuma dizer-se, mais ainda se pretendermos que se faça bem. Infelizmente, nem sempre é este o critério que adoptamos na escolha daqueles que nos representam, não poucas vezes nos deixando enredar no discurso retórico e descurando o rigoroso escrutínio das suas qualidades (ou da falta delas).
Entendo que aquele que não se sente terra da sua terra, que escolhe priorizar-se em detrimento de um bem maior, não deve chamar a si os destinos de uma região, de um país ou da Europa. Tendo o direito de o fazer, não deve ser caucionado pelos cidadãos.

A qualidade da democracia espelha o interesse geral dos cidadãos e implica a necessária perseverança e disposição para o recomeço. Também para a tentativa e erro e para a aprendizagem que daí decorre. Não há soluções milagrosas que não se transfigurem em estratégias demagógicas. Abril está ainda em construção. A liberdade está sempre em construção. Regressamos à liberdade e à sua carência de tempo.
Devemos renunciar a todos aqueles que insistem em travestir-se de Alcibíades, constantemente envolvidos em ciladas e conluios, instigando este contra aquele e amanhã o contrário. A política autêntica nada pode dever ao aliciamento gratuito e Alcibíades não teve um final feliz.

A política que aqui importa traz em si a mais nobre das missões, a de servir a causa pública e a de ser o exercício de uma moral viva, que garanta o contínuo exame crítico aos valores que nos devem orientar. Parece-me que o declínio dos ideais políticos contemporâneos, em conjunto com a escassez de uma exigência dos cidadãos que não se esgote no imediatismo da polémica da semana, atiram para a causa/coisa pública os espíritos que lá não cabem (ou não deveriam caber). Espíritos que já não acreditam. Espíritos que já não mudam e que possuem pés de barro.

Abril é o mês da liberdade. Precisamos com urgência da militância para com a democracia. Quem acredita na democracia enquanto modelo político, sabe que esta convive com o consenso e com a divergência. O mundo não fala a uma só voz, e ainda bem que assim é, acautelando-nos da ditadura das ideias (ou da falta delas). Sem esse jogo dicotómico, o mundo seria mais pobre e o próprio conceito de ideologia teria como base a miséria intelectual e a acção neutra. A acção política ficaria desprovida de valores e renegaria a sua própria essência, a de ser uma acção valorativa, de combate à injustiça, de recusa da desigualdade e da unanimidade cega. Todos sabemos os custos de um espírito único. Sabemos também que, muitas vezes, e a história está cheia de exemplos, esse espírito escravizou em vez de emancipar. A emancipação crítica é a única que nos permitirá alcançar essa tão almejada autonomia. Essa mesma que devemos envergar como uma bandeira e carregar com convicção profunda, essa que nos dá o direito inalienável a dizer “Não”.
A neutralização do diferente, da crítica reflexiva e do consenso argumentado e negociado é a morte da democracia e da liberdade. Se o mundo é o lugar do discurso político, também é o lugar das consequências desse discurso. Os cidadãos devem ter isto em mente e lembrá-lo, uma e outra vez, aos seus representantes eleitos. Não compactuando com a imitação da política e expulsando dela os farsantes. Nem tudo pode valer para filar o poder. Cronos, o titã da mitologia grega, cego de poder, mata quem lhe deu a vida para dele se assenhorar, ficando condenado à solidão e a vaguear desconfiado com medo que um dos seus descendentes ou protegidos lhe reserve o mesmo destino, o que vem a suceder. Nenhum Cronos é digno de governar e nenhum povo deve sujeitar-se-lhe. Volto uma vez mais a Cícero e à sua crença de que cada república espelha a natureza ou a vontade de quem a rege. Volto a Abril e à esperança do povo que o vai construindo.

Somos nós quem governa.

 

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