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A nova contribuição extraordinária sobre o Alojamento Local 

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Após aprovação, em Conselho de Ministros, no passado dia 14 de abril, a Proposta de Lei n.º 71/XV/1.ª – que inclui o pacote de medidas referente ao Programa Mais Habitação – seguiu para a Assembleia da República, onde decorrerá a sua discussão, em sede parlamentar, que tem como principal objetivo confesso, o aumento da oferta de habitação em Portugal. 

Em conformidade com a exposição de motivos na Proposta de Lei, as medidas a implementar constituem uma resposta a vários desafios conjunturais e a estratégia em curso para concretizar, no terreno, a reforma que o Programa Nacional de Habitação (PNH) consagra, sendo que a aprovação deste novo conjunto de medidas de resposta mais imediata destina-se a complementar outras respostas conjunturais já inscritas no Programa Nacional de Habitação (PNH) para mitigar os impactos económicos referidos, com efeito direto no acesso à habitação.

Assim, o Governo, tendo colocado em consulta pública a Proposta de Lei n.º 64/XXII/2023, com o Programa Mais Habitação, criou agora um tributo especialmente desenhado para a atividade de exploração de estabelecimentos de Alojamento Local: a nova Contribuição Extraordinária sobre o Alojamento Local.

AS CONTRIBUIÇÕES EXTRAORDINÁRIAS

As contribuições financeiras sectoriais a favor de entidades públicas têm vindo a ganhar cada vez mais relevância ao longo dos últimos anos, constituindo uma terceira via aos impostos e taxas mais “tradicionais, para o Estado e outras entidades públicas conseguirem arrecadar receitas adicionais. 

Na medida em que se situam como figuras “híbridas”, como que entre os impostos e as taxas, provocam, normalmente, um efeito de anestesia fiscal, pois o seu impacto é diluído e circunscrito a determinado grupo ou conjunto de sujeitos homogéneo.

De acordo com o entendimento do Tribunal Constitucional, são contribuições financeiras os tributos que visam a compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica, visando assim, a repartição, por um conjunto homogéneo e previamente definido de entidades, do serviço prestado pelas entidades sujeitas a esta contribuição. 

Este tipo de tributo, como mencionado, tem vindo a revelar-se cada vez mais comum e, portanto, cada vez menos “extraordinário”, ao contrário do que, muitas vezes, inculca a sua designação. 

Surgindo como contribuições de carácter excecional, aprovadas por lei do Orçamento de Estado, têm, de partida, um carácter temporal delimitado pela vigência do próprio orçamento. Pelo que, findo o período de vigência (1 de janeiro a 31 de dezembro), tais contribuições deveriam caducar de forma automática, o que não tem sucedido. 

Contudo, pelo menos nos últimos dez anos, a verdade é que tais contribuições têm vindo, todos os anos, a ser sucessivamente “renovadas”, nas diversas Leis orçamentais e a sua incidência tem vindo mesmo a ser alargada. 

Deste modo, o Governo vem propor, de novo, e através de uma prática, cada vez mais reiterada, esta nova contribuição, extraordinária, desta feita sobre o alojamento local.

A CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA SOBRE O ALOJAMENTO LOCAL (CEAL)

Segundo o Governo, esta contribuição aplicar-se-á sobre todos os imóveis que se mantenham no alojamento local, e a sua receita será consignada ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), de modo a financiar políticas de habitação e de forma a ter em conta, alegadamente, as externalidades negativas que o alojamento local produz sobre o preço geral da habitação. 

Assim, no cálculo desta contribuição, será considerada a rendibilidade do alojamento local, que variará em função da zona em que se encontra e, ainda, a variação do aumento das rendas sentido na região onde o alojamento local se situa e a área do imóvel.  

De acordo com o ministro das Finanças, esta medida traduz um incentivo claro de apoiar a passagem dos imóveis que estão em alojamento para o arrendamento habitacional.

A INCIDÊNCIA SUBJETIVA  

São sujeitos passivos da CEAL os titulares da exploração dos estabelecimentos de alojamento local, na aceção do Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto (Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local) e  são considerados como tal os estabelecimentos que prestem serviços de alojamento temporário a turistas, mediante remuneração, e que reúnam os requisitos previstos no mencionado diploma. 

Importa, ainda, referir que os proprietários de imóveis que não sejam titulares da exploração nos quais se desenvolve a exploração do alojamento local são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento da contribuição respeitante aos respetivos imóveis.

A INCIDÊNCIA OBJETIVA

No que respeita à incidência objetiva, a CEAL incidirá sobre a afetação de imóveis habitacionais a alojamento local, a 31 de dezembro de cada ano civil, considerando-se imóveis habitacionais, para este efeito, as frações autónomas e as partes ou divisões de prédios urbanos suscetíveis de utilização independente de natureza habitacional. E, consideram-se afetos a alojamento local os imóveis habitacionais que integrem uma licença de alojamento local válida.

A DETERMINAÇÃO NEGATIVA DE INCIDÊNCIA 

De todo o modo, constituem exceções a esta incidência objetiva:

AS ISENÇÕES

Estão isentos da CEAL, os imóveis habitacionais que não constituam frações autónomas, nem partes ou divisões suscetíveis de utilização independente.

A DETERMINAÇÃO DA BASE TRIBUTÁVEL 

A base tributável da CEAL é constituída pela aplicação do coeficiente económico do alojamento local e do coeficiente de pressão urbanística à área bruta privativa dos imóveis habitacionais, sobre os quais incide a CEAL.

Assim, o coeficiente económico do alojamento local é calculado através do quociente entre:

O coeficiente de pressão urbanística, será calculado, para cada zona, através do quociente entre:

A TAXA, A LIQUIDAÇÃO E O PAGAMENTO

A taxa aplicável à base tributável será de 20%, sendo aquela contribuição liquidada pelo sujeito passivo através de declaração de modelo oficial. 

Tal declaração deverá ser enviada, anualmente, à Autoridade Tributária e Aduaneira, por transmissão eletrónica de dados, até ao dia 20 do mês de junho do ano seguinte ao facto tributário, podendo ser corrigida oficiosamente pela Administração tributária nos prazos previstos na Lei Geral Tributária, no caso de se verificarem erros ou omissões que determinem a exigência de um valor de contribuição superior ao liquidado pelo sujeito passivo. 

Já no que diz respeito ao pagamento, a CEAL deverá ser paga até ao dia 25 de junho.

UM NOVO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO?

A CEAL, nos termos plasmados na mencionada proposta de lei, aqui em análise, suscita dúvidas jurídicas várias, a exemplo de outras contribuições financeiras sectoriais e extraordinárias que têm vindo a ser aprovadas pelo Governo nos últimos 10 anos.

Em primeiro lugar, quanto à sua verdadeira natureza, na medida em que os contornos em que esta é delineada aproximam-se, na realidade, a um verdadeiro imposto, o qual, enquanto receita unilateral coativa, está sujeito a regras que exigem especial atenção por parte do legislador, nomeadamente o da igualdade tributária, o que não permite tratamento desigual em relação a situações de exploração iguais ou da mesma natureza.

Em segundo lugar, antevemos potenciais incompatibilidades com a Constituição da República Portuguesa (CRP), quanto mais não seja por tal contribuição incidir sobre rendimento presumido, contrariando a exigência de tributação incidir sobre rendimentos reais, e, por outro lado, por violação do princípio da capacidade contributiva.

Importa, ainda, mencionar que os estabelecimentos de Alojamento Local constituem apenas 3% do total de fogos habitacionais em Portugal, pelo que poder-se-ão levantar algumas dúvidas relativamente à eficiência desta medida, atenta a expressão diminuta do Alojamento Local na globalidade do mercado habitacional nacional. 

Finalmente, uma última nota quanto à responsabilidade subsidiária pelo pagamento da CEAL dos proprietários dos imóveis que os cederam, seja a que título for, para efeitos de exploração para alojamento local, o que terá um grande potencial de contencioso tributário. 

Rogério Fernandes Ferreira

Vânia Codeço

João Mário Costa

Rita Sousa

José Pedro Barros

Carolina Mendes

Patrícia da Conceição Duarte 

Álvaro Pinto Marques

Inês Reigoto

(Tax Litigation Team)

www.rffadvogados.pt

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