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A tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes

As mais-valias realizadas com a venda de imóveis por pessoas singulares são tributadas, em sede de IRS, no âmbito da categoria G (incrementos patrimoniais). Os cidadãos residentes em território português são tributados às taxas gerais progressivas sobre 50% das mais-valias imobiliárias realizadas e os cidadãos não residentes são tributados à taxa fixa especial de 28%, ou, aqui, por opção, às taxas gerais progressivas, mas sempre sobre 100% da mais-valia imobiliária realizada.

Ora, esta questão foi inicialmente apreciada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), no Acórdão Hollman (C-443/06), que se pronunciou no sentido de existir uma tributação de carácter menos favorável para os não residentes, sendo, portanto, discriminatória e infringindo o princípio da liberdade de circulação de capitais entre Estados-membros da UE, nos termos do Tratado de Funcionamento da União Europeia.

No seguimento deste Acórdão, o Código do IRS sofreu alterações. A Lei do Orçamento do Estado para 2008 (Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro) estabeleceu a opção para os contribuintes não residentes em Portugal e residentes na UE e EEA (e desde que exista troca de informações) de aplicarem as taxas progressivas que seriam aplicáveis aos residentes em Portugal.

Assim, de acordo com o regime regra, uma mais-valia imobiliária realizada por um sujeito passivo não residente ficou sujeita à taxa especial de 28%, podendo, opcionalmente, tributar essa mais-valia às taxas marginais, devendo para esse efeito ser tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território para efeitos de determinação da taxa aplicável, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

No entanto, manteve-se a consideração de 100% da mais-valia para efeitos de aplicação tanto da taxa fixa de 28% (regime regra) como das taxas progressivas (regime opcional), permanecendo a regra de que somente o valor das mais-valias imobiliárias realizadas por residentes fiscais em Portugal era considerado em 50%.

O TJUE, o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) e o Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) pronunciaram-se já no sentido de considerarem essa norma discriminatória e, como tal, contrária ao direito da União Europeia. Neste sentido, o Acórdão do TJUE de 11/10/2017 (C-443/06), os Acórdãos do STA de 22/03/2011 (n.º 1031/10) e de 30/04/2013 (n.º 01374/12), e, em especial, as decisões do CAAD proferidas n.º 45/2012-T, em 05/06/2012, n.º 127/2012-T, em 14/05/2013 e n.º 748/2915, em 27/07/2016. Estas últimas decisões consideram ilegais as liquidações efectuadas pela Administração tributária nestas circunstâncias, e procederam à sua anulação, por estas terem restringido o direito à consideração das mais-valias, em apenas 50%, aos sujeitos passivos residentes em Portugal.

Ora, recentemente o CAAD abordou, de novo, este tema, no seu Acórdão de 30/05/2018, proferido no processo n.º 644/2017-T, relativamente a mais-valias realizadas por um cidadão não residente em Portugal na venda de um imóvel localizado em Portugal. O contribuinte incluiu a venda na sua declaração Modelo 3 de IRS referente a 2016, não tendo, todavia, optado pelo regime de aplicação das taxas progressivas. Assim, foi tributado sobre 100% da mais-valia obtida, à taxa especial de 28%.

O Tribunal arbitral avança que ficou por determinar se a opção adoptada em 2008, após a publicação do referido Acórdão Hollmann, terá afastado o juízo de discriminação do TJUE.

Ora, de acordo com a opinião da Administração tributária no processo arbitral em questão, o regime constante do Código do IRS repôs a igualdade de tratamento entre residentes e não residentes, eliminando, assim, qualquer discriminação que pudesse existir.

Contudo, na opinião do Tribunal, tal não sucedeu. No entendimento do CAAD, a manutenção da tributação de 100% da mais-valia obtida por um cidadão não residente em Portugal (residente em Estado-membro da UE ou EEA) não elimina o carácter discriminatório no tratamento de residentes e de não residentes, em matéria de mais-valias imobiliárias.

É importante notar que o CAAD considerou que a mera existência de uma opção de tributação pelo regime aplicável aos residentes não exclui esse caráter discriminatório, apoiando-se de uma outra decisão do TJUE, contida no Acórdão Gielen (C-440/08), no qual foi decidido que “a opção de equiparação que venha permitir a um sujeito passivo não residente a possibilidade de escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório não exclui os efeitos discriminatórios do primeiro destes dois regimes, pois se tal fosse reconhecido estar-se-ia a validar um regime fiscal violador do Tratado, em razão do seu carácter discriminatório”.

O Tribunal arbitral recorda que, prevalecendo na ordem jurídica portuguesa a jurisprudência do TJUE, nos termos da Constituição da República Portuguesa e vinculando esta os tribunais nacionais, deverá atender-se à orientação fixada na referida jurisprudência e, assim sendo, que a solução que o legislador português adoptou não eliminou o carácter discriminatório em que nesta matéria se encontram os residentes noutros Estados-membros da União Europeia.

Ficou, assim, reforçada a referida corrente jurisprudencial e que não oferece dúvidas sobre a obrigatoriedade, ao abrigo do direito da UE, de aplicar aos cidadãos não residentes em território português a consideração de, apenas, 50% das mais-valias realizadas na venda de imóveis em Portugal.

Consideramos, portanto, ser imperativa a necessidade de alteração da norma em questão, estabelecendo-se a consideração de apenas 50% das mais-valias imobiliárias obtida por cidadãos de outros Estados-membros não residentes em Portugal, sujeitas às taxas progressivas aplicáveis aos cidadãos residentes, como regime regra, no sentido sustentado pelo CAAD. Poderá ser ainda mantida a opção de tributação à taxa fixa de 28%, não tendo o Tribunal abordado se, neste caso, deverá ser considerada a mais-valia em 100% ou em 50%.

Notamos, ainda assim, que esta consideração de 50% da mais-valia e sua sujeição às taxas progressivas poderá não se afigurar vantajosa para os sujeitos passivos não residentes com rendimentos globais elevados, dado serem considerados os rendimentos obtidos fora do território português para efeitos da determinação da taxa progressiva aplicável à mais-valia obtida.

Rogério M. Fernandes Ferreira
Manuel Proença Abrunhosa
Filipa Gomes Teixeira
Duarte Ornelas Monteiro
Margot Lopes Martins
(Private Clients Team)

 

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