De que está à procura ?

Colunistas

Cannes, Berlinale e o realizador Miguel Gomes

© Ines Thomas Almeida

Miguel Gomes venceu o Prémio de Melhor Realizador no Festival de Cinema de Cannes.

Há coisa de mil anos (na verdade, foram só 12), eu vivia em Berlim e dirigia uma ONG, inventada por mim, chamada Berlinda, para a divulgação das culturas dos países de língua portuguesa. Desdobrava-me em mil para tentar criar o maior número de pontes entre Berlim, as culturas em portguês, e as pessoas com interesse numa e noutras.

Num belo dia em fevereiro desse ano de 2012, soube que ia estar na Berlinale uma equipa portuguesa, com um filme chamado “Tabu”. Vi o filme na própria Berlinale e fiquei maravilhada. Como sou fervorosa adepta da ideia de que quando se quer uma coisa é preciso é arriscar, porque o “não” está garantido e pior do que estamos também não ficamos, enchi-me de lata (e um friozinho na barriga, vá) e lembrei-me de ir perguntar à equipa do filme se acaso na sua preenchida agenda teriam um tempinho para ir falar com os portugueses que estavam a viver em Berlim. Imaginei que me dissessem que não, pois estando eles em concurso, tinham uma agenda sem tempo para respirar, além de que vemos tantos casos de realizadores, actores e gente de cinema tão inalcançável (e, calhando, também intragável), que pensei que o mais certo era nem responderem, ou mandarem-me dar uma volta ao bilhar grande.

Para minha surpresa, não só foi fácil chegar a eles (acho que fui ao site do “Tabu” e mandei um email para o geral, a dizer olá, sou directora de uma associação sem fins lucrativos aqui em Berlim, será que podiam vir falar connosco e tal), como disseram sem hesitar que sim, tinham muito gosto, no dia seguinte tinham tempo à hora X.

Foi uma correria para conseguir encontrar um lugar que pudesse albergar esta conversa. Tudo cheio, então em dias de Berlinale, impossível. Ao fim de milhares de telefonemas, consegui que um bar/cinema de bairro em Friedrichshain nos deixasse lá estar, espalhei a informação o mais que pude e marquei mesa e hora.

O resultado foi uma noite maravilhosa, em que a equipa veio mesmo: o Rui Poças, director de fotografia; o Luís Urbano, produtor; o Miguel Martins, editor de som; o actor Ivo Mueller, e o realizador Miguel Gomes (veio também a Joana de Verona no final, se não estou em erro, que não fazia parte do filme mas estava em Berlim e sentou-se ali connosco; o Vasco Pimentel, que fez o som — maravilhoso — do filme, infelizmente não tinha ido à Berlim esse ano). Falaram sobre o filme, sobre o cinema português e em geral, responderam a todas as perguntas que lhes foram feitas, num ambiente informal, intimista, muitíssimo agradável, graças à abertura de espírito e amabilidade de todos. Eu não me esqueci dessa noite, e acredito que para os portugueses que ali estavam em Berlim e que por ali passaram, aquele gesto, aquela cumplicidade de alguém que está na ribalta mas ainda arranja tempo para nós, também não ficou esquecido.

Lembro-me que o Miguel Gomes se tinha de levantar a cada cinco segundos para atender o telefone, tal era a quantidade de trabalho que tinha em mãos, mas ainda assim ficou ali connosco até ao fim.

No dia seguinte, soube-se que “Tabu” tinha ganho o Prémio Alfred Bauer de inovação, e também o Prémio da Crítica.

Meses mais tarde, o Miguel Gomes veio a Berlim para publicitar a estreia do filme nas salas de cinema alemãs. Eu, ainda fascinada com aquela interacção, mais uma vez fui lá incomodá-lo e perguntei se ele teria tempo para uma entrevista. No meio de tantos afazeres, o Miguel Gomes disse logo que sim, tinha tempo para a entrevista, claro. E eu, que nunca percebi nada de cinema, mas que sabia sim que havia ali em Berlim uma comunidade de portugueses, alemães, brasileiros, angolanos, moçambicanos, etc, que se interessavam por cultura em português, que a bebiam avidamente, que eram até seus protagonistas, e que encurtar as distâncias entre as pessoas é, geralmente, uma coisa boa, fui entrevistar o Miguel Gomes.

Ficou-me na memória um homem educado, delicado, com um mundo interior e uma sensibilidade imensa, que não hesita em pôr a humanidade, a amabilidade e o próximo acima de qualquer agenda.

A meio da entrevista, disse-me uma das frases mais bonitas que alguma vez ouvi sobre o cinema: “O cinema tem saudades do paraíso”.

Usei-a como título da entrevista, que está aqui.

Nunca mais o vi. Soube há dias que venceu o Prémio de Melhor Realizador no Festival de Cannes.

Não vi o filme que lhe trouxe esse prémio. Quero muito ver. Mas nem o preciso ver para saber que é uma distinção merecidíssima. Essa, e todas as outras que lhe fizerem no futuro, e que certamente se seguirão.

Grande Miguel Gomes. Muitos merecidos parabéns.

E obrigada.

Ines Thomas Almeida

(Na primeira foto, eu estou de pé vestida de azul e com um lenço vermelho ao pescoço; à minha direita (na direcção do meu olhar) estão, por esta ordem, o Miguel Martins, o Miguel Gomes, o Rui Poças e o Luís Urbano)

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA