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Funcionamento do consulado português de Buenos Aires gera revolta

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Cidadãos portugueses na Argentina promovem na quarta-feira, em Buenos Aires, nova manifestação contra a falta de atendimento consular e denunciam que instituições portuguesas declinam responsabilidade, enquanto milhares de pessoas esperam há mais de três anos.

“Devido à falta de respostas às nossas demandas por atendimento, resolvemos voltar a protestar. Tomei a iniciativa de organizar esta manifestação como forma de canalizar um movimento crescente nas redes sociais de pessoas que se queixam por estarem há anos a tentar uma simples vaga para serem atendidas. Sem documentos ficam sem poder viajar como se não tivessem identidade”, denunciou à Lusa a lusodescendente Stefanny Gonçalves, de 32 anos.

Stefanny assumiu a herança da organização da primeira manifestação, realizada em agosto de 2022, quando dezenas de portugueses, em representação de centenas, foram à porta do consulado português em Buenos Aires para exigirem, de forma pacífica, atendimento consular.

Nove meses depois, a situação não só não foi solucionada como se agravou devido à acumulação de pedidos num consulado sem respostas. Em média, o tempo de espera por uma vaga de atendimento supera os três anos, como no caso de Stefanny, que depende de renovar os documentos para emigrar para a Europa com a família.

“Esse é o tempo que estou a esperar só para ser atendida. Depois, virão outros anos até os documentos ficarem prontos. Até lá, ficaremos com a vida paralisada”, lamentou a lusodescendente de origem venezuelana.

O protesto de quarta-feira está previsto das 09:00 às 13:00 de Buenos Aires (13:00 às 17:00 em Lisboa), exatamente as quatro horas de atendimento ao público que o consulado dedica diariamente. Será o terceiro protesto deste mês, o quarto desde que a modalidade começou no ano passado.

Em nenhuma delas, os manifestantes conseguiram falar diretamente com o embaixador José Ludovice.

“As pessoas estão furiosas e desesperadas. Seria bom conseguirmos falar diretamente com o embaixador para tentar sensibilizá-lo e para ele demonstrar alguma empatia. Sabemos que os diplomatas não gostam da nossa pressão, mas não temos outra saída a não ser insistir porque precisamos da documentação”, acrescentou à Lusa Gabriel de Sousa, de 23 anos.

O lusodescendente tenta renovar o cartão do cidadão e o passaporte há três anos. O seu pai e dois irmãos estão na mesma situação.

Em junho, Gabriel de Sousa deveria estar na Europa para um trabalho.

“Perdi essa oportunidade de trabalho. Além disso, os meus avós da Madeira faleceram. Precisamos viajar para resolver questões legais de herança, mas não podemos. Estamos presos”, criticou Sousa.

O atendimento no consulado depende do sistema de agendamento ‘online’ do Ministério dos Negócios Estrangeiros. A cada três meses, o agendamento é reaberto, mas a opção “consulado de Buenos Aires” apresenta sempre como resposta o aviso: “Atualmente, não há vagas disponíveis. Por favor, tente mais tarde”.

Os manifestantes pretendem entregar uma nova lista com 110 pessoas que procuram atendimento há anos. A lista tem crescido à medida que as pessoas descobrem a iniciativa. Durante a semana passada, por exemplo, outros grupos que se articulavam pelas redes sociais com o mesmo problema entraram em contacto. Os organizadores acreditam que, pela Argentina toda, sejam milhares os que procuram atendimento.

Os portugueses redigiram uma carta à secção consular com quatro exigências: “Um melhor tratamento e respostas mais efetivas”, pois reclamam que ‘e-mails’, telefonemas e tentativas de atendimento presencial não são respondidos, “Uma página ‘web’ que funcione”, “Que o direito à documentação seja cumprido”, e “Que as pessoas deficientes, idosas e que vivem no interior do país tenham respostas rápidas”.

Indicam que, por ordem do embaixador José Ludovice, a embaixada negou-se a assinar e carimbar a carta se não acrescentassem uma quinta exigência: o aumento do pessoal na embaixada de Portugal para aumentar a celeridade de atendimento ao público.

Os manifestantes têm ficado no meio de um jogo de culpas entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Embaixada de Portugal na Argentina.

Ao escreverem uma reclamação ao Serviço de Atendimento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, os lusodescendentes recebem como resposta protocolar da Direção de Serviços de Administração e Proteção Consulares: “Informa-se que foi tomada devida nota que foi encaminhada para a Secção Consular Embaixada de Portugal em Buenos Aires para prestação de esclarecimentos”.

Contactada pela Lusa, a Embaixada de Portugal alegou não ter autorização do Ministério dos Negócios Estrangeiros para prestar declarações.

Informações extraoficiais dadas aos manifestantes argumentam que a secção consular “trabalha com um quadro de pessoal reduzido enquanto os pedidos de agendamento são significativamente superiores”.

São apenas três pessoas para o atendimento. Uma quarta pessoa começou a receber formação na semana passada.

As autoridades da embaixada esperam sensibilizar a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, que estará em Buenos Aires entre 08 e 11 de junho, para a necessidade de reforçar o quadro de pessoal.

A Argentina recebeu cerca de 200 mil venezuelanos nos últimos anos como consequência da crise provocada pelo regime de Nicolás Maduro. Parte dessa imigração é de lusodescendentes que procuram atendimento.

Por outro lado, o país tem a maior comunidade judaica da América Latina com cerca de 200 mil integrantes, dos quais entre 40 e 70 mil são sefarditas, parte dos quais pretende a nacionalidade portuguesa.

Ao mesmo tempo, a Argentina vive uma profunda crise económica que tem levado os lusodescendentes a procurarem a nacionalidade portuguesa como forma de emigrar para a Europa.

Aos venezuelanos, a Embaixada de Portugal disse que resolvessem o seu caso na Venezuela porque a prioridade na Argentina é para os naturais.

“Sinto-me marginada porque violam o meu direito à identidade e sinto-me prisioneira com as mãos amarradas ao perder oportunidades por me negarem atendimento. Desejo uma vida melhor para a minha família, especialmente para a minha filha, mas rebaixam-nos duplamente por virmos da Venezuela”, desabafou Stefanny.

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