Podemos concordar com alguém em muita coisa, até em quase tudo, mas daí não se segue necessariamente que concordemos com essa pessoa em tudo, sequer parcialmente.
Li recentemente o livro “Manifesto pelas Identidades e Famílias — Portugal Plural”, da autoria de João Costa, professor de Linguística e, entre 2015 e 2024, Secretário de Estado da Educação e Ministro da Educação.
Houve capítulos de que gostei, como, por exemplo:
«Famílias que nos fazem crescer», «A tirania do silenciamento», «A escola neutra que não existe nem nunca existiu» ou «A arte contraria o ódio».
Em contrapartida, atente-se nestes excertos do capítulo «Eu quero ser identidades»:
Hoje somos um Portugal livre. Hoje somos um Portugal plural. E, quando nos relacionamos e nos abrimos à relação, a nossa identidade faz-se mais rica, porque se torna as identidades dos nossos pares, dos nossos concidadãos.
Hoje somos um Portugal plural. Somos o Portugal das centenas de línguas que se falam nas nossas ruas. Sou diferente e mais feliz porque na mercearia do meu bairro tenho de falar português e inglês, e vou aprendendo bengáli, para fazer as minhas compras. Sou mais feliz porque a minha identidade só monolingue era mais desinteressante e menos inteligente. Não era tão desafiado a aprender.
[…]
As identidades portuguesas, a portugalidade dos “Portugais”, são a alegria do coletivo e da diferença. A explosão da diversidade que nos torna iguais. A identidade portuguesa é o arranjo, qual bouquet de flores diversas, que compomos a partir das identidades de todos os que cá vivem.
Mas, claro, pode não ser assim. Pode ser a tal abstração, constituída por um conceito definido pelo privilégio. A identidade monolítica a que tem de se conformar e formatar quem chega, quem não é assim, quem não tem condição de escolher ser assim, quem não tem vontade de ser assim. Essa identidade singular alimenta-se da bolha construída pelos que se movem apenas cá dentro. Queres entrar? Aqui é assim. Não queremos ver o que trazes. Deixa-o lá fora, à porta da bolha.
[…]
Inadmissível!
Qualquer dia, a dona de casa ou o velhote reformado portugueses que quiserem ir à mercearia mais próxima têm de fazer um curso acelerado de inglês (quando não bengáli) no seu próprio país!
Por sinal, já me aconteceu entrar em lojas de imigrantes e ser interpelado em inglês. Perguntando eu «Não fala português?», respondiam-me insolentemente que não senhor! (que raio de ideia seria a minha?).
E temos de dar acolhimento a «quem não tem vontade de ser assim»?! Se não tem vontade de ser assim (ou seja, se não tem vontade de ser como nós), porque não volta para a sua terra, onde pode à vontade ser como tem vontade de ser?
No Egito, durante o período em que esteve no poder até, em 2013, ser derrubada por Abdel Fattah el-Sissi (atual presidente), a Irmandade Muçulmana (padroeira do Hamás) organizava equipas para andarem em carrinhas de aldeia em aldeia a excisar meninas e raparigas (se necessário à força). Imaginemos que elementos dessas equipas, insatisfeitos com o ocorrido no seu país, acabavam por aportar a Portugal: teríamos de ser nós a aceitar que não têm vontade de ser como nós???
E um iraniano que tenha participado na incineração in vivo de homossexuais e depois imigre para cá, onde se inteira de que tão horrenda prática é inconcebível, poderia responder que não tem vontade de ser como nós???
Não defendem os países do Terceiro Mundo que o Ocidente deve aceitar (e respeitar) as suas diferenças culturais? Agora, somos nós que temos de renunciar às nossas, em nome da «abertura» ao tutti frutti que a obsessão pelo politicamente correto preconiza?
Entristece-me que a minagem das nossas sociedades esteja a ser agenciada de dentro, em nome de uma suposta clarividência e bom gosto que a ideologia woke, voluntária ou inadvertidamente, promove.
É em consequência disto que cresce a adesão a ideários ultranacionalistas e de extrema-direita.
Ainda não abdiquei do meu «direito à indignação» (o autor deste conceito foi o socialista Mário Soares) e tampouco estou tão vergado que tenha de fazer boa cara ao mau jogo das pseudovirtudes.
Jorge Madeira Mendes