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Lei da nacionalidade: Avanços ou retrocessos? Que futuro para a diáspora portuguesa?

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Festejámos há poucos dias o Dia de Portugal e das Comunidades Portuguesas, celebrado anualmente em 10 de junho. Esta data coincide com a da morte do poeta Luís de Camões e tem como objetivo homenagear Portugal, os portugueses, a cultura lusófona e a presença portuguesa ao redor do mundo. Inicialmente, o 10 de junho era um feriado municipal em Lisboa, dedicado a Camões. Posteriormente, durante o período do Estado Novo, foi elevado a feriado nacional com o nome de “Dia de Camões, de Portugal e da Raça”. Após a Revolução dos Cravos, ocorrida em 25 de abril de 1974, o dia passou a ser designado como Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Face ao relevo das comunidades portuguesas, o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, Paulo Cafôfo anunciou, durante a conferência “Portugal + Funchal”, que as mesmas vão contar, ainda nos próximos meses, com um Plano Estratégico de atuação.

Atualmente, o plano estratégico para as migrações baseia-se em cinco eixos: Políticas de integração de imigrantes, Políticas de promoção da inclusão dos novos nacionais, Políticas de coordenação dos fluxos migratórios, Políticas de reforço da legalidade migratória e da qualidade dos serviços migratórios e Políticas de reforço da ligação, acompanhamento e apoio ao regresso dos cidadãos nacionais emigrantes.

Sob o plano das políticas de promoção da inclusão dos novos nacionais, não poderemos deixar de abordar o acesso à nacionalidade portuguesa. Neste domínio, muito se tem falado sobre princípio da nacionalidade efetiva, nomeadamente no âmbito da aquisição da nacionalidade por naturalização de descendentes de judeus sefarditas portugueses. Este princípio traduz-se na harmonização do vínculo jurídico da nacionalidade com a conexão genuína do indivíduo ao Estado, tendo sofrido várias alterações significativas, num sistema em que ius sanguinis e ius soli se igualam, sem prevalência de um deles, tanto na atribuição como na aquisição face às alterações introduzidas à Lei da Nacionalidade pela Lei Orgânica 2/2020, de 10/11.

A opção do legislador, desde sempre, em combinar estes dois princípios, denominado sistema misto da atribuição e aquisição da nacionalidade, tem-se centrado mais na predominância ora de um, ora de outro, continuando a filiação a ser uma das formas privilegiadas para obter a nacionalidade de forma originária, mas também de forma derivada quando se trata de indivíduo menor, sem prejuízo de outras formas de aquisição da nacionalidade baseadas na pertença a comunidades portuguesas.

A Lei da Nacionalidade atualmente em vigor foi aprovada pela Lei nº 37/81, de 3 de outubro e já conta com nove alterações, a caminho da décima, face às várias propostas de lei existentes para alterar novamente o diploma, vindas de todos os partidos com assento parlamentar. Numa matéria de primordial importância, não será demais realçar que desde 2013 que a mesma tem sido alterada em média a cada 2/3 anos. Os maiores prejudicados são os membros das comunidades portuguesas em redor do mundo, nas suas expectativas. Sim, porque a nacionalidade é um direito fundamental tanto para quem já a detém, como para os que reúnem os requisitos e anseiam em adquiri-la.

Vejamos. A diáspora portuguesa representa e defende os valores de Portugal nos países em que se encontra, divulgando a nossa cultura e o nosso país. São famílias que têm a sua vida organizada no estrangeiro, onde trabalham, sempre pensando no país com quem têm laços familiares e onde têm as suas raízes. Existe em cada membro dessas comunidades a vontade de transmitir aos seus filhos não só os valores portugueses, mas igualmente um fator de identidade primordial: a nacionalidade portuguesa.

O legislador tem justificado as alterações à Lei da Nacionalidade na nova realidade da emigração e imigração portuguesa. Relativamente aos primeiros, veio permitir em 2006 o acesso à nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos netos de portugueses originários, frustrando, num primeiro momento, a expectativa de que essa obtenção poderia ser de natureza originária. Será necessário esperar pela Lei Orgânica nº 9/2015 – que apenas veio a ser regulamentada pelo Decreto-Lei nº 71/2017, de 21 de junho – para que essa forma de obtenção da nacionalidade fosse considerada como originária. Contudo, o legislador “deu com uma mão e tirou com outra”: esta previsão veio acompanhada da comprovação de ligação efetiva à comunidade nacional em moldes muito severos para quem reside no estrangeiro, nomeadamente a existência de contactos regulares com o território português, como se tal facto fosse comprovativo de uma maior ou menor ligação à comunidade nacional, quando na realidade tem mais a ver com possibilidades económicas ou mesmo físicas. Nunca será demais relembrar que embora cada Estado tenha a competência exclusiva para legislar em matéria de nacionalidade, deverá respeitar os Princípios de Direito aplicáveis em sede de nacionalidade, entre eles o da não discriminação, da igualdade e da proporcionalidade. 

E o que dizer quanto à violação do princípio da proporcionalidade quando se legisla e se preveem requisitos impossíveis de cumprir e que não se relacionam com a verdadeira ratio da norma. Sempre que o legislador introduz requisitos mais severos, desencadeia-se um aumento exponencial dos pedidos de nacionalidade no período imediatamente anterior à entrada em vigor da Lei. Neste caso concreto, todos os que obtiveram a nacionalidade por naturalização, podiam agora requerer a atribuição da nacionalidade, considerando-se que o facto de já serem portugueses constituía uma prova de ligação à comunidade nacional. Óbvio, dirão! Os outros teriam de comprovar a sua ligação efetiva à comunidade nacional.

Passados três anos, a Lei Orgânica nº 2/2020, de 10 de novembro veio alterar a Lei da Nacionalidade, reduzindo as exigências de ligação efetiva à comunidade, no caso de atribuição da nacionalidade a netos de portugueses originários, ao conhecimento da língua portuguesa e à comprovação “(…) da não condenação a pena de prisão igual ou superior a três anos, com trânsito em julgado da sentença, por crime punível segunda a lei portuguesa e da não existência de perigo ou ameaça para a segurança ou defesa nacional (…)”. Então que fazer com os pedidos já efetuados até então? Revisão de todos os processos ainda não decididos com vista a averiguar se preenchiam os novos requisitos…

Reanálise, trabalho a dobrar e atrasos que se acumulam com os anos e que se refletem noutras formas de obter a nacionalidade, nomeadamente a mais requerida: nacionalidade portuguesa originária para filhos de portugueses nascidos no estrangeiro. Trata-se de uma atribuição da nacionalidade que constitui um direito dos mais básicos para quem se encontra longe do seu país e vê seus filhos nascerem no estrangeiro. Mas, mesmo nesta forma de obter a nacionalidade, o legislador insiste na aplicação do artigo 14º da Lei da Nacionalidade que dispõe que “Só a filiação estabelecida durante a maioridade produz efeitos relativamente à nacionalidade”. Esta norma nunca foi alterada e fundamenta-se no facto da doutrina entender que será apenas durante a menoridade que o progenitor poderá exercer a sua influência educativa sobre os filhos. Contudo, esqueceu-se que a vida não é linear e que muitos serão os que apenas veem a sua filiação estabelecida na maioridade em relação ao progenitor português. Esta norma tem sido muito contestada e a jurisprudência já se pronunciou por duas vezes contra este entendimento em sede de atribuição da nacionalidade a netos de portugueses originários, no que diz respeito à relação de filiação entre o ascendente português e o progenitor estrangeiro do requerente da nacionalidade. Acresce que existem atualmente cinco propostas de lei com vista a revogar este artigo, existindo uma que prevê a possibilidade da atribuição caso esse reconhecimento tenha sido efetuado em sede de reconhecimento judicial e desde que o requerente solicite a atribuição da nacionalidade no prazo de três anos após a data de trânsito em julgado da sentença. Poderá ser uma medida para evitar reconhecimentos de conveniência, mas o que fazer com os reconhecimentos voluntários em que existe posse de estado? Pergunta-se: Sou filho de português, mas não me pode ser atribuída a nacionalidade portuguesa!?

Infelizmente o legislador não ficou por aqui. Em 2013 foi aprovada a quinta alteração à Lei da Nacionalidade que veio permitir a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização a descendentes de judeus sefarditas portuguesa, com dispensa da comprovação de residência legal e do conhecimento da língua portuguesa. A Lei Orgânica 1/2013, de 6 de julho regulamentada – dois anos depois! – pelo Decreto-Lei nº 30-A/2015, de 27 de fevereiro, veio numa senda de reparação histórica e do exercício do direito ao retorno para os descendentes de uma comunidade expulsa de Portugal e a quem foram confiscados bens em consequência da Inquisição. Este movimento legislativo português pecou por tardio já que outros países como Espanha e Grécia já o haviam feito. A coberto de que esta forma de aquisição “já teria cumprido o seu objetivo” e da suposta “comercialização” da nacionalidade portuguesa, o Decreto-Lei nº 26/2022, de 18 de março, veio alterar o Regulamento da Nacionalidade, nomeadamente o artigo 24º-A respeitante ao pedido de aquisição da nacionalidade de descendentes de judeu sefardita português, introduzindo uma nova alínea exigindo novos documentos para fins de instrução do pedido, que, em bom rigor, constituem mais requisitos. 

Em resumo, exigem-se documentos comprovativos de “(i) Da titularidade, transmitida mortis causa, de direitos reais sobre imóveis sitos em Portugal, de outros direitos pessoais de gozo ou de participações sociais em sociedades comerciais ou cooperativas sediadas em Portugal; ou (ii) De deslocações regulares ao longo da vida do requerente a Portugal, quando tais factos demonstrem uma ligação efetiva e duradoura a Portugal.” Ora, o Regulamento da Nacionalidade apenas pode dispor sobre a tramitação do procedimento de aquisição e não sobre os requisitos para obtenção da nacionalidade, o que desde logo fez soar os alarmes da inconstitucionalidade. Esta disposição entrou em vigor no dia 1 de setembro de 2022 e até lá fez aumentar drasticamente os pedidos de aquisição da nacionalidade por esta via por parte de todos os que reuniam os requisitos e queriam furtar-se à aplicação de tais requisitos. Acho que já mencionámos este fenómeno.

Para “remediar” a esta situação, a Proposta de Lei nº 72/XV/1ª, vem sugerir a alteração da Lei da Nacionalidade, nomeadamente do seu artigo 6º, nº 7, transpondo a redação que consta da alínea d), do nº 3 do atual artigo 24º-A. Muitos dirão que esta proposta não será mais do que o reconhecimento de que efetivamente a alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 26/22, de 18 de março lá terá os seus problemas. Contudo, esta proposta não foge às considerações já tecidas, porquanto desvirtua a ratio legis da introdução desta forma de adquirir a nacionalidade, criando requisitos impossíveis de cumprir e prevendo conceitos indeterminados que limitam o acesso à nacionalidade por parte de quem preenche o requisito de ser descendente de judeus sefardita português. Mas, não satisfeita, esta proposta vem ainda introduzir a revogação do artigo 6º, nº 7 da Lei da Nacionalidade, na sua redação atual, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2024. Todos saberão de polémicas relacionadas com esta forma de obtenção da nacionalidade. Mas, será que não existe em relação às outras formas? Claro que sim! Para estes casos existe já um mecanismo na Lei da Nacionalidade que visa combater fraudes: artigo 12º-A sob a epígrafe “Nulidade” e em sede preventiva o artigo 42º do Regulamento da Nacionalidade sob a epígrafe: “Diligências Oficiosas”.

Começámos este périplo de uma forma e acabamos na mesma. O legislador não pondera devidamente as alterações à Lei da Nacionalidade, nem tampouco as consequências, repetindo os mesmos erros, lesando expectativas de quem pretende e tem o direito de obter a nacionalidade, desde que preenchidos os requisitos que se querem exequíveis, em obediência aos preceitos constitucionais portugueses e ao direito convencional.

Já dizia Confúcio: “Se queres prever o futuro, estuda o passado” e “Não uses um canhão para matar mosquitos”.

Isabel Grilo Comte

Jurista na Martins Castro

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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