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O arcano lado da vida

Esta menina aqui sentada, está com uma dor na perna esquerda, entre o joelho e a anca.

De cara afogueada e mimosa, sorriso radiante como um suave e harmonioso sol de fim de tarde descendo pela linha do horizonte, desaparecendo lentamente como bola vermelha em areia movediça, olhos azuis e cintilantes, ávidos apesar da expressão de timidez, e, no entanto, ninguém diria que apesar de tudo isto, neste preciso momento, sofre. Sofre uma dor física.

A não ser que ela mesma se queixe, nos diga – dói-me a perna esquerda entre o joelho e a anca – nunca o saberemos porque a dor não se vê, e se dela nos dizem que dói, não sendo em nós mesmos, só poderemos imaginar, medir e quantificar segundo a nossa perspetiva, o grau de intensidade com que a pessoa que acabou de confessar a sua dor, a está a sentir.

Teremos de acreditar, sem ver, em algo que não é de todo visível.

Esta menina de cara afogueada e mimosa, também ela sabe que tem uma dor na perna esquerda, entre o joelho e a anca, porque a sente, mas não a vê.

Se do Quinzinho não ouvimos uma única palavra, magra ilustração que fosse, do sofrimento que está a passar, é porque, desde o dia em que nasceu, até aos dias de hoje, já la vão sessenta anos de silêncio de quem não lhe foi facultado o dom da fala, silêncio esse quebrado por alguns momentos parcos de alegria, manifestada por um sorriso, às vezes uma gargalhada que hoje se nos parece quase terna recordação de outros tempos, que apesar do infortúnio de quem nasce com tantas limitações; a fala apenas uma delas, nos parecem apesar de tudo, tempos áureos.

A chama da vida, que como uma vela vai enfraquecendo por ter consumido quase por completo o pavio que a mantinha a arder, é como abulia ao mundo que a rodeia, para mergulhar numa letargia sem igual.

Do Quinzinho sabemos que sofre, muito embora, tal como a dor da menina de cara afogueada e mimosa, também do seu sofrimento apenas podemos ver os sinais que o descrevem, apesar de tudo, tácita ilustração do sofrimento propriamente dito, por dele não o vermos de maneira palpável.

Algures num lugar que não conhecemos, misterioso quão misteriosa é a entrada que lhe dá acesso, nuances daquilo que será por um período de tempo, carne e osso, porque Espírito é e sempre será a sua essência, movem-se em formas de línguas de fogo, pedaços de luz brilhante, almas de um corpo que as albergará pelo tempo necessário ao que do sofrimento humano precisam para evoluírem como Espírito.

Cada uma delas há de ter uma concha onde se possa alojar na sua passagem pelo chamado mundo dos vivos. E a essa concha a que chamam – corpo humano – se há de pôr um nome, Quinzinho, por exemplo. Quinzinho que não saberá que todo o sofrimento pelo qual está a passar na reta final da sua vida enquanto – ser humano- carne e osso, todos os momentos daquilo que foram tempos áureos por serem de risos e sorrisos, átimos de felicidade que desaparecem com mais rapidez do que aparecem, aceitou-os enquanto alma, aquele pedaço de luz que é o que somos muito antes de o sermos. Aceitou incorporar a sua concha de carne e osso com uma missão, a de, através da felicidade e do sofrimento, da alegria e da tristeza, da maldade e da bondade, do odio e do amor, aprender a progredir como Espírito.

Para a alma que nasceu incorporada na sua concha de carne e osso se assinala no dia do seu nascimento a morte temporária do Espírito, e depois, cumprida a dádiva da vida terrena, chegada a hora da morte da carne e osso, renasce na sua condição de Espírito, com mais força, mais experiência, mais energia.

Tal como a menina de cara afogueada e mimosa, que tem uma dor numa perna, entre o joelho e a anca, e o sofrimento do Quinzinho que nem sequer nos pode dizer o quanto sofre porque não fala, nunca falou, acreditamos no que não vemos, no que humanamente não é palpável.

De que nos serve a vida sem

Acreditar

De que nos serve dormir sem

Sonhar

De que nos serve viver sem

Imaginar

De que nos serve a vida amarga e

Dura

Sem ao menos uma pitada de

Loucura

(To my big brother – I love you and I miss you)

 

António Magalhães     

(Diário das pequenas reflexões)  

 

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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