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O centro pragmático 

© Luís Vieira Cruz / BOM DIA

A onze meses da eleição do presidente da República Portuguesa, são já manifestos os sinais de franco nervosismo por parte dos aparelhos partidários perante a presumível candidatura do almirante Henrique Gouveia e Melo. 

A notoriedade de Gouveia e Melo — que, importa realçar, não tendo ainda sequer confirmado a sua candidatura, lidera confortavelmente a generalidade das sondagens — advém-lhe da reconhecida eficiência à frente da unidade (task force) montada pelo Governo para assegurar a vacinação em massa contra a covid-19 em 2021. 

A inquietação das máquinas partidárias explica-se por Gouveia e Melo não ser declaradamente afeto a nenhum partido: o PSD sente-se obrigado a propor um candidato declaradamente das suas fileiras (e já escolheu Luís Marques Mendes, que terá, logicamente, um adversário em Gouveia e Melo). O PS segue a mesma linha, ao que acresce o percetível distanciamento do almirante em relação aos ideários ditos «de esquerda», ainda mais vincadamente no caso do Partido Comunista e do BE. 

Ora, uma das «faltas» que se apontam a Henrique Gouveia e Melo é, curiosamente, a de não se conhecer nada do seu ideário político, a de ele nunca se ter declarado de direita ou de esquerda. 

Esta alegação não é exata: lembro-me muito bem de uma entrevista, talvez no âmbito da sua atuação à frente da dita task force, durante a qual o almirante revelou que enfileirava por aquilo a que chamou o «centro pragmático». 

Para a direita alegadamente liberal, qualquer intervenção do Estado na economia cheira a socialismo, a coletivismo, quando não a comunismo; tudo deve ser entregue a privados; e o mercado deve ser o regulador omnipotente e omnipresente da atividade económica. Por sua vez, a esquerda de raiz marxista abomina a iniciativa privada, o «capitalismo», o lucro, o empreendedorismo não dirigido pelo Estado. 

Uma posição de centro consiste em privilegiar a abordagem pragmática, nos termos da qual o critério orientador é a eficiência e a utilidade prática. O pragmatismo tende a identificar o recomendável com o útil. Por rejeitar tabus e preconceitos ideológicos, o centro é, pois, intrinsecamente pragmático. 

Tomemos, como exemplo, a privatização da TAP: imperiosa para quem defende o laissez faire sem peias, anátema para quem tem no seu ADN ideológico a rejeição da atividade privada. Considerar que a TAP, neste momento gerida com eficácia, pode e deve continuar de capital maioritariamente público seria uma posição pragmática. Para quê privatizar o que, nas mãos do Estado, está a dar lucro? Reciprocamente, reconhecer que empresas ou atividades que o Estado tem a seu cargo seriam mais eficientes e produtivas se alienadas a favor de particulares revelaria também uma opção de centro. 

Outro exemplo modelar é o dos CTT – Correios de Portugal, empresa cujos primórdios remontam ao reinado de D. Manuel I, no primeiro quartel do século XVI, e que, em 1969, em plena vigência do regime ditatorial de direita autodenominado «Estado Novo», foi tornada pública (por outras palavras, estatizada). Até há pouco mais de uma dezena de anos, a eficiência dos antigos «Correios, Telégrafos e Telefones» era proverbial e um justo motivo de satisfação e orgulho para os portugueses: direi, a propósito, que correspondência postal remetida por uma mãe de Marvão — nos confins do Nordeste Alentejano — para um seu filho estudante de Erasmus em Bruxelas chegava à capital belga em menos de vinte e quatro horas. Sublinho que estou a falar de correio postal internacional. Ora, entre 2013 e 2014, o governo português privatizou completamente os CTT. Os custos para o consumidor aumentaram visivelmente… e as notabilíssimas eficiência e rapidez de antanho passaram à história. Nunca mais os CTT voltaram a ser o que eram. De vez em quando, ouvem-se vozes a reclamar a pragmática renacionalização da empresa. 

Deste modo entendo o conceito de «centro pragmático» defendido pelo almirante Gouveia e Melo. Importa, porém, frisar que ele não citou, especificamente, os exemplos a que recorri, com destaque para a TAP ou os CTT. Referi-os eu para fins meramente ilustrativos do conceito que perfilho. 

Jorge Madeira Mendes

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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