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Obrigado pá!

Há um sistema onde, como alerta Galeano, “aqueles que têm trabalham têm medo de perder o trabalho, os que não têm, têm medo de nunca encontrar um, quem não tem medo da fome tem medo da comida”. Um sistema onde nos convenceram que o inimigo está ao nosso lado no local de trabalho enquanto algures, esses que nos convencem disso, andam “a ver quem se vai abotoar com os 25 tostões de riqueza que tu vais produzir amanhã nas tuas oito horas.

Um sistema que conta connosco para nos calarmos e seguirmos sendo as bases que o alicerçam. Um sistema, diz Mia Couto, onde “sem darmos conta, fomos convertidos em soldados de um exército sem nome e, como militares sem farda, deixamos de questionar. Deixamos de fazer perguntas e discutir razões. As questões de ética são esquecidas, porque está provada a barbaridade dos outros e, porque estamos em guerra, não temos que fazer prova de coerência, nem de ética nem de legalidade.”

Então o Diabo levou-o para mais alto e mostrou-lhe num momento todos os países do mundo. Depois disse-lhe: «Posso dar-te todo este poder e a sua glória, porque tudo isto me foi entregue a mim e eu dou-o a quem eu quiser. Tudo será teu, se me adorares». (Lucas, IV, 5-7)

Mas, como diz ainda o mesmo Mia Couto, como “há, neste mundo, mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas” e como sempre houve aqueles que não se vergaram ao medo, a servitude. De entre eles, e ele com outros seus pares, esteve o Otelo. O arquitecto do golpe de estado militar que viria abrir a porta para a revolução popular que se seguiu àquela madrugada que deu origem ao “dia inicial inteiro e limpo”.

Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás. (Lucas, IV, 8)

A direita, agora toda ela bafienta, e a “esquerda” colorida, que entre outras coisas tem em comum com a primeira a fraca memória – além, claro, do não ser de esquerda – regozija-se com a morte de quem não tinha medo. Porque a direita tem medo, muito medo. Tem “medo que o medo acabe”. Lestos foram os panfletos que agitam no panorama jornalístico a relembrar os mortos das FP-25. O terrorismo a que Otelo expos o país. Esqueceram-se, como sempre, dos seus amigos do ELP e do MDLP. Mas mais subtil é esquecerem-se daqueles que seus amigos, agora caídos em desgraça, subjugaram pela força da asfixia económica. Os Berardos, os Salgados e os Vieiras desta vida que, à conta da banca que todos temos que “salvar” a expensas, entre outros, da paz, do pão, da habitação, da saúde, e da educação.

Imputemos então os 17 mortos a Otelo. Mas imputemos aos donos disto tudo aqueles que morem de doença de pobre, por consequência dum SNS deficitário. Aqueles que se penduraram pelo pescoço, beberam remédio dos ratos, ou encostaram a caçadeira ao queixo, para libertar as famílias das dívidas que o sistema lhes impõe.

(Olha deixaste cair as chaves do carro!)

Se é terrorismo aquilo que fez o Otelo então o que se pode chamar a um sistema político que todos os dias aterroriza milhões, dezenas de milhões, ou mesmo centenas de milhões de pessoas. Um sistema político onde mães solteiras aceitam qualquer trabalho de merda que lhe proponham, com medo de não poder alimentar os seus filhos amanhã. Onde operários da construção (infelizmente cada vez menos EM construção, como escrevia o Vinicius) assentam tijolo o dia todo para ouvir dizer “se queres ser alguém (leia-se ser rico) tens que trabalhar duro”. Onde mulheres da limpeza saem de casa antes do sol se levantar para voltar depois da noite chegar. Onde crianças ficam sozinhas em casa, com um pão, quando o há, na mesa da cozinha.

(Que é essa orelha de preto que tens no porta-chaves?)

Quando feito com copo de champagne na mão e a comer caviar, quando feito nos corredores do poder, não é terrorismo. Como disse o Bezos, aquando do seu regresso da competição de medir pilinhas em que se envolveu com mais dois amigalhaços ultra-milionários: “Quero agradecer aos trabalhadores da Amazon, vocês é que pagaram isto.”

É pá, deixa-te disso, não desestabilizes pá!

Chamemos os bois pelos nomes. Manter o grosso da população na corda bamba para poder ir medir pilinhas para o espaço só merece um nome: Terrorismo. Indignem-se lá agora “ó carneirada mole. Levantem os cornos da palha [que] os vossos pastores são os vossos carrascos”, lá cantava o Tim.

Ao Otelo: Obrigado pá!

Mário Lobo

 

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