Não me expressando aqui sobre o perfil ou carácter de Donald Trump ou de Kamala Harris como pessoas individuais, mas partilhando uma perspectiva das diferenças das escolhas entre povos diferentes, a vitória significativa de Trump nas eleições americanas carregam aspectos culturais e psicológicos profundos da sociedade americana, que superam o indivíduo em particular, e reflectem axiomas das crenças enraizadas neste povo que acredita no sonho da liberdade. Mais do que uma escolha política, este resultado parece refletir valores centrais do país, como o apego à autonomia, à meritocracia, à liberdade de expressão e à crença no poder individual.
A Valorização da Meritocracia e do Sucesso Individual
Enquanto a Europa questiona a disparidade social com valores e políticas que acabam, muitas vezes, por esmagar os mais diferenciados e empreendedores (principalmente nos países mais pobres), muitos americanos continuam a valorizar o sucesso e o empreendedorismo como virtudes. Eles acreditam na mobilidade social e enxergam a prosperidade individual como benéfica para todos, o que é diferente de algumas culturas europeias, onde o sucesso pode despertar sentimento de que algo está errado, de que tem tem mais foi beneficiado, entre outras atitudes como desconfiança ou desprezo. A compaixão excessiva de alguns políticos numa tentativa ilusória de superioridade sobre as diferenças individuais, acaba por prejudicar quem escolhe levar o seu mundo para a frente, pelo que o equilíbrio onde fica a maioria é um exercício complexo de flexibilidade constante entre o centro direita e esquerda em termos políticos, onde ouvir e ser humilde com o poder é fundamental. Quando essa fluidez ao centro não acontece, temos os excessos dos últimos anos à esquerda, o que justifica o mundo agora trazer os excessos à direita, e, muito provavelmente, só depois, virá a normalização ao centro de forma flexível. É o que é, pelo que tivemos e na condição que temos.
Imigração e Identidade Nacional
Sendo historicamente um país feito de imigrantes ambiciosos, os resultados actuais dos Estados Unidos mostram a necessidade de um desejo de controlo sobre as fronteiras e uma avaliação criteriosa da imigração para que não se perca o valor acrescentado que os emigrantes dão ao país. A vitória de Trump indica que muitos americanos desejam preservar essa abertura com base na legalidade e competência, e afastar-se de políticas identitárias que não só dividem mais, como também priorizam rótulos e embalagens, em vez de mérito e carácter.
Liberdade de Expressão e o desgaste do Wokeismo
A cultura americana valoriza a liberdade individual e a autodeterminação, pois querem o destino nas suas mãos e não nas do Estado ou governo. Com o crescimento de movimentos progressistas de aceitação incondicional de todas as diferenças para não ferir susceptibilidades, e uma revolta contra o passado e comparações com um mundo utópico, abdicando de dar referências, transformando-as em preconceitos, trouxe o “wokeismo” e movimentos radicais que atrofiam a liberdade individual em detrimento de uma identificação de grupo. Com isto, o que a maioria dos eleitores mostraram é que estas ideias são limitações à liberdade de expressão, e ao pragmatismo que consideram essencial para o desenvolvimento e expansão pessoal. Como psicólogo e é evidência científica, somos nós que nos adaptamos ao mundo e não o mundo a nós. A rejeição deste modelo progressista exagerado parece ter influenciado a escolha pelo conservadorismo que Trump representa, como forma de reafirmar esses valores pela perda de estrutura que atualmente impera, um pouco por todo o lado, fruto da uniformização criada pelas redes sociais (conforme se pode entender com o trabalho no meu colega Jonathan Haidt, no recente livro “Geração Ansiosa”). A Psicologia é a ciência que estuda o indivíduo na sua plenitude e sabemos, de forma clara, que quem se anula no meio de grupos ou relações interpessoais, tanto familiares como sociais, ou faz e diz tudo para encaixar nesses grupos e sistemas, é sempre alguém mais vítima das circunstâncias, passando a dizer, defender e fazer, o que nem sequer tem consciência plena se isso encaixa consigo. Ainda para mais, quando vem uma série de académicos ou profissionais de saúde que abdicaram de defender ciência em detrimento de ideologia, para ganharem audiência, numa lógica de superioridade moral ilusória, a alimentarem esta narrativa que, felizmente, parece começar a mudar. É por isso que qualquer recomendação clínica ou social será sempre de permitir que cada um tenha voz consciente, possa concordar em discordar, com comunicação e confiança, para ver quem merece ter à sua volta ou se será melhor alargar o mundo, numa óptica de abundância e não escassez.
Conclusão: A Voz soberana do Povo em democracia é um bem essencial para um mundo melhor
Para muitos americanos, a vitória de Trump representa uma busca por simplicidade e moderação, sem a histeria colectiva da afirmação e aceitação cega de tudo. A Psicologia sugere que a polarização ideológica tende a gerar movimentos contrários, e, nesta eleição, houve um desejo claro de retorno a políticas que priorizam as liberdades individuais e a previsibilidade. A identificação de grupo e anulação individual, com enfraquecimento das pessoas e empoderamento do Governo. Esse movimento reflete um pedido do povo americano por um governo que respeite as suas escolhas e promova a autonomia. Sendo ou não a pessoa certa, Trump tem o poder na mão para liderar uma das maiores potências mundiais, para lidar com um mundo de poderosos psicopatados em vários países. Veremos o que o futuro nos reserva e só espero que esta escolha traga aos americanos mais estrutura e confiança para voltarem a singrar atrás dos seus sonhos e liberdade, e que na política externa, traga mais protecção e segurança aos conflitos de interesses e guerras desnecessárias que só criam mais vítimas e vilões.
Nós, que não somos americanos e não estamos em cargos de poder, resta-nos comer pipocas mistas com um ginger ale, esperando que estejamos no caminho certo, porque agora é o que temos.
Um abraço estóico,
Ivandro Soares Monteiro
Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta doutorado @EME_Saude
Psicólogo das Organizações e Consultor Comportamental @Crowe
Professor Universitário @icbas
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