Há 30 ou 40 anos, importaram para as suas aldeias as “maisons” francesas. Agora, estão a levar para França a “casa portuguesa”. Esta é uma das conclusões de uma tese de doutoramento, que aborda o papel dos emigrantes na transformação das aldeias em Ourém.
Nos anos 70 e 80 do século XX, ergueram “maisons” nas suas aldeias natais, à imagem e semelhança daquelas que viam ou tinham em França. As casas-bloco, com telhados pretos e inclinados, com grandes portadas de madeira e marquises, passaram a fazer parte da paisagem de muitas povoações da região, onde a emigração para França mais se fez sentir, reconfigurando a imagem de muitas dessas aldeias, divulgou o Jornal de Leiria.
Agora, com o regresso definitivo a Portugal em suspenso ou até mesmo colocado definitivamente de lado, alguns desses emigrantes estão a levar a casa “à portuguesa” para os bairros franceses com forte presença de cidadãos nacionais.
Esta é uma das conclusões da tese de doutoramento de Ana Saraiva, antropóloga de Ourém, intitulada Casas (pós-rurais) entre 1900 e 2015: expressões arquitetónicas e trajetórias identitárias. Nos capítulos sobre as habitações dos emigrantes, a antropóloga acompanha “a viagem” que a casa faz nos últimos 50 anos, a partir de um trabalho de campo feito na Alta Estremadura, com enfoque no concelho de Ourém e nas freguesias de Espite e Urqueira, e na região do Vale do Marne, França, com destaque para Champigny-sur-Marne.
Nessa viagem, Ana Saraiva seguiu a história da emigração de Portugal para França e as “narrativas de vida de emigrantes como forma de produção de etnografia pela justaposição de representações sociais a experiências individuais”.
Observou casas, consultou projetos de arquitetura e processos de construção, imprensa, filmografia, estatística e literatura e ouviu testemunhos na primeira pessoa. Falou com emigrantes proprietários de casas, com projetistas, construtores e pedreiros.
Esse trabalho permitiu-lhe concluir que “nos anos 70, os emigrantes importaram de França a ‘casa do emigrante’. Hoje, os (re)emigrantes exportam para França a ‘casa portuguesa’”, com a introdução de elementos arquitetónicos que remetem para as antigas habitações rurais, como beirados, alpendres, cornijas e cantarias.
Mas, para chegar aí, é preciso perceber o contexto em que se dá um e outro fenómeno. Recuemos, então, às décadas de 70 e de 80 do século XX, quando se dá o grande boom na construção de “casas do emigrante”, quer por parte daqueles que continuavam em França, mas que queriam ter habitação na sua terra natal, quer por iniciativa daqueles que, entretanto, regressaram às origens e aí recomeçaram a vida, muitos deles como empresários da construção civil.
“Houve aqui uma importação de estilo, através de fotografias que traziam ou de desenhos muitos simples que faziam e entregavam ao projetista, que depois fazia a sua adaptação”, conta Ana Saraiva.