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Requiem pela Argentina

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Adoro a Argentina, um dos países mais bonitos do mundo, com uma natureza exuberante, bem preservada, e paisagens de cortar a respiração. Buenos Aires é para mim a capital mais bonita da América Latina. Uma cidade planeada por urbanistas com visão moderna, desafogada, e gosto impecável. Avenidas amplíssimas, jardins amplos e primorosamente arranjados por toda a cidade, fontes luminosas monumentais em cada uma das rotundas principais, arquitetura de grande qualidade e esmero, uma simbiose perfeita entre o que vemos em Madrid, Roma e em Paris (infelizmente não em Lisboa…). 

No início do século XX, a Argentina era a 9ª economia do mundo em termos de rendimento per capita, à frente de países como a França e a Alemanha. O golpe militar de 1930, que arrasou com os fundamentos do Estado de Direito, levou a Argentina para uma dinâmica de instabilidade permanente, e marca o início do trágico declínio.

Com a eleição de Perón em 1946, um regime podre e corrupto de caráter anarco-sindicalista, com fortes laivos de populismo rentista de esquerda, mas marcados vícios de extrema direita também (que me perdoem os meus muitos amigos argentinos pela forma como descrevo o tipo de regime que os tem devorado uma e outra vez), uma mistura explosiva e sui generis, instalou-se permanentemente no poder, e a partir daí a Argentina nunca mais conseguiu-se ver livre de políticas anti-democráticas, abusivas, clientelistas e populistas. 

Com Perón, os juízes do Supremo Tribunal foram escorraçados e substituídos por títeres, pelo que o poder ficou à mercê dos mercenários populistas que foram sendo sucessivamente eleitos. O peronismo intervencionou a economia, nacionalizou indústrias, paralisou a atividade empresarial com regulamentações e impostos que enfraqueceram o direito à propriedade, afugentaram investimento estrangeiro (a Argentina é dos países do mundo com mais capital fora do país), e instituíram controles de preços de bens e serviços, alugueres de casas incluídos (onde é que eu já vi isto…). O modelo peronista condenou a Argentina a décadas de atraso económico, e o fantasma do peronismo, na sua vertente mais irresponsável e populista, continua a afetar brutalmente o quotidiano desse povo maravilhoso. 

Os presidentes eleitos mais recentemente com promessas de responsabilidade fiscal e de liberalização da economia, como Macri, uma vez eleitos, acabaram por fazer exatamente o oposto do prometido, congelando preços, não privatizando as indústrias nacionalizadas, todas elas ineficientes e mal geridas, não cortando no gasto público, e comprando clientela eleitoral de maneira irresponsável, ao aumentar os salários aos funcionários públicos e aos pensionistas em plena crise orçamental (onde será que eu já vi isto também ?) !

O atual presidente, Alberto Fernández, no poder desde 2019 e prestes a ter de se submeter ao escrutínio eleitoral (outubro deste ano), não tendo aparentemente aprendido nada dos antecessores, decidiu enveredar pelas receitas desastrosas do passado para controlar a deterioração económica e tratar de salvar a reeleição. 

Para tratar de controlar a inflação galopante (mais de 100% ao ano já, e em vias de se transformar numa destrutiva hiper-inflação), Fernández optou pelo controle de preços, em vez de usar os controles monetários que a Argentina tem para diminuir a emissão de moeda, controlando ao mesmo tempo os gastos públicos. O resultado imediato é que a carne (a melhor do mundo), um dos produtos mais importantes na economia argentina, e na dieta desse povo, subiu 60% só em Agosto deste ano, a maior subida dos últimos 18 anos. Começa a haver desabastecimento em série de produtos de consumo básico (já não há papel higiénico, ou carne de frango, nos supermercados), o setor da saúde pública esta em desagregação acelerada, e com o desespero de não conseguir controlar a situação, o governo tem estado a tomar medidas irresponsáveis e nunca antes vistas.

Porque razão, perguntar-se-á o paciente leitor, estará este português a falar da Argentina, quando há tanto para falar sobre Portugal ? Eu explico já de seguida.

Um amigo argentino, profissional brilhante, de alto gabarito, mandou-me o link de Youtube que aqui partilho. Trata-se de uma conversa numa rádio local. Fiquei siderado com o que ouvi (e em parte já partilho no meu texto), e escrevi ao meu amigo a perguntar como é possível que eles tenham chegado tão fundo (sem ainda verem o fundo, apesar de estarem na miséria absoluta).

Vou partilhar a resposta “ipsis verbis”, sabendo que todos os que me lêem em português também entendem o espanhol : “ El problema és que esta gente – los peronistas – hicieron um cambio cultural muy profundo. Una proporción alta de la población piensa ahora que tiene derechos y que, independientemente de lo que hagan, el Estado debe satisfacer. Así que se transformó Argentina en el país del subsidio. Todo esta subsidiado. Una gran parte de la población cobra planes asistenciales SIN trabajar y, como la suma de los subsidios es similar a un salario bajo, nadie trabaja. Pero, claro, todo se hace a costa de déficit, con deuda publica. Y ya nadie presta mas, porque no se puede pagar. El que gana elecciones y quiere arreglar la situación tiene que hacer cosas dolorosas. Gobierna un periodo, y luego aparecen los populistas nuevamente y ganan con promesas, usando los recursos ahorrados por los mas racionales. Y así la historia se repite. Difícil salida para Argentina, diría imposible. Una catástrofe.”

Sabem onde é que já vimos isto, onde é que o estamos a viver, com contornos somente ligeiramente diferentes do relato do meu amigo ? Aqui em Portugal. O descalabro que Sócrates deixou (até o aumento salarial a funcionários públicos quando já não havia dinheiro para o fazer !), levou-nos à bancarrota, a terceira desde 1975 (os Argentinos vão na quinta desde 1980…). 

Passos Coelho limpou a terrível herança, reconstituiu os depauperados cofres do Estado, e o seráfico António “Perón” Costa salta em cima da Bordalliana porca, e cavalga-a a distribuir benesses, subsídios e esmolas, com ajuda da esquerda radical, que foi instrumentalizada, e terá sorte se não desaparecer de vez num prazo médio.

O populismo mata os países. E eu, que amo Portugal, odiaria ver-nos chegar ao nível de degradação a que chegou a Argentina, país de gente boa (como o Papa Francisco) que adoro. Que Dios los bendiga.

José António de Sousa

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