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Tento na língua…

A dona Rosa chegou aflitíssima. Estava num estado de alvoroço tremendo. Ganhou fôlego para que num trago, apesar de tudo sôfrego, deitasse abaixo um copo de vinho branco. Depois soluçou por uns escassos segundos e quando disparou a contar o sucedido às pessoas que naquele momento se encontravam na taverna do Vitorino, as lágrimas que lhe brotavam em abundância dos olhos, riscaram-lhe a cara em diferentes direções.

O Vasquinho estava encantado. “Milagre” disse para consigo mesmo, “a mulher bebe vinho e bota-me água pelos olhos…”

E isto, sabe-se que foi dito pela boca e pela voz do Vasquinho, mas o que não se sabe com certezas cem por cento absolutas, é se não teria sido os efeitos das duas canecas de vinho tinto, já entornadas no bucho, que se serviam da boca e da voz do Vasquinho para que se percebesse que apesar de tudo o seu corpo e a sua mente não se encontravam no mesmo mundo.

“Uma desgraça, – continuou a dona Rosa – Libório, o único panasca da vila, desta vez fê-las bonitas…”

E isto era apesar de tudo uma maneira muito antiquada da dona Rosa se referir ao assunto, muito embora ninguém pudesse negar de que ela tinha feito um esforço no sentido de se atualizar com as modernices de se falar aquilo a que chamam politicamente correto, mas apesar de tudo, esta nova designação de “Homemsexual” que se dava ao dito “panasca”, parecia-lhe um desperdício de longas e desnecessárias palavras.

A dona Rosa levou a ponta do avental à cara, enxugou as lágrimas e continuou.

“Olhe…entrou pela igreja adentro com um sarrafo na mão, a desbragar paulada para tudo quanto era lado. Ninguém lhe escapou. Não foram só alguns dos santos que ficaram desfeitos em cacos. Também houve umas quantas cabeças partidas, principalmente daqueles paroquianos que atentaram heroísmo no sentido de pôr termo a semelhante ato tresloucado, para dominar o endemoniado.

O jornal da vila, a que se dá o nome de “Bom Dia, ó Barros” há de querer saber o que despoletou este momentâneo ato de loucura no Libório.

E quando o jornalista do “Bom Dia, ó Barros” saltar para o terreno a colher informações, a fazer perguntas, a tirar apontamentos, a snifar pistas, no dia de elaborar a notícia que irá explorar até ao mais ínfimo pormenor, ao mais pequeno detalhe, chegará à conclusão de que o Libório agiu influenciado pelos comentários irresponsáveis do Isaltino dos Santos Gadelhudo, presidente da junta, quando de boca desmedida andou pela tasca do Vitorino, a mercearia do senhor António, e a barbearia do senhor Oliveira Guarda, a fazer críticas àqueles que em detrimento das necessidades da junta, não se poupam a dar aos santinhos, as suas economias, na esperança de que lhes seja resgatada a alma no dia do juízo final.

“Uma vergonha, – desabafara o Isaltino dos Santos Gadelhudo, entre umas goladas de um vinho espadal, na compra de uma barra de sabão, e entre as tesouradas no corte de cabelo, – esta gente precisava que se lhes desse umas boas sarrafadas no lombo…”

Ai Tino, Tino. Apesar de tudo, um presidente da junta lá porque é presidente não pode andar por aí a dizer tudo o que pensa, ou tudo o que lhe vem à cabeça, quando se sabe que há um bando de anormais, incapazes de pensar por si mesmos, que só se deixam influenciar para o mal e nunca para o bem.

Tento na língua, Isaltino, tento na língua…

(Excerto de “E assim vai o mundo…”)

 

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